WBA artigo: O juiz, o direito e a sociedade

O juiz, o Direito e a sociedade

  • Por:WBA

Qual o comportamento que deve ter o juiz frente ao direito e à realidade social? Essa indagação genérica pode comportar duas outras indagações partindo-se do ponto de vista de quem pergunta: no julgamento de um conflito, como o juiz deve interpretar o direito? Ou do outro lado, como a sociedade vê o juiz interpretando o direito? Na visão extrospectiva judicial, nitidamente se observam hoje, mesmo em nosso País, comportamentos alinháveis com conceitos de direito bem diferenciados. O primeiro deles reside na redução de que o juiz é o aplicador da lei, qualquer que seja o seu conteúdo. Essa é uma conclusão decorrente da escola positivista do direito em que a ciência jurídica se exaure na lei e que além dela não importa interpretação. O justo é o que a lei diz que é. No campo diametralmente oposto, surge a ideia de que o juiz é o instrumento finalista de justiça e que nessa busca pode desconhecer inclusive a lei quando a concebe injusta, porque, como tal, direito não é. O justo, dessa forma, é um conceito subjetivo. Uma terceira posição judicial entende que deve haver uma nítida consonância entre a interpretação do juiz e a sociedade e, portanto, a decisão a ser proferida deve ser a resposta à aspiração social. A sociedade é quem mostra ao julgador através de seu comportamento qual o caminho a ser buscado na resolução do conflito. Nessa concepção, fica afastada a aplicação mecânica de que o julgamento deve ser o que a lei diz que é ou o mais próximo dessa conclusão, mas, também, não busca a conceituação pessoal do justo. Apenas adequa o que a sociedade assim entende, na medida em que apanha no comportamento social da maioria o que é entendido como de justiça.

Na primeira situação, pela lógica do sistema, o juiz afasta qualquer interferência interna ou externa no seu ato de julgar. A análise que faz dos fatos se circunda à previsibilidade legal. O conflito é dirimido sempre como parâmetro de um dispositivo legal. Na concepção intimista do justo, a interpretação decorre da própria personalidade do julgador. Sua cultura, sua origem, sua ideologia são fatores que influenciam a decisão e dessa forma podem se encontrar julgados rotulados de conservador ou progressista. O ato sentencial, na concepção social do direito, busca para a resolução do conflito componentes exteriores à lei. Através da análise empírica do que naturalmente ocorre no meio social, busca o julgador enquadrar a decisão como aquela que seria majoritariamente aceita ou, em outras palavras, procura decidir como a sociedade decidiria se pudesse julgar o caso.

Agora, diante de tais comportamentos, como a sociedade vê o juiz? Nas duas primeiras situações, quando há correspondência entre a decisão e o entendimento médio social, elas são perfeitamente aceitáveis, O problema surge, no primeiro caso, quando a lei aplicada está em colisão com o que normalmente acontece no seio social ou, no segundo, quando o pensamento judicial exarado na sentença não externa a opinião dominante. Numa e noutra situação é que surge o questionamento da necessidade do direito e sua importância no campo social. A lei continua valendo como direito do ponto de vista da sociedade, se entre uma e outra existe completa distonia? E a decisão organicamente proferida impõe conduta social? Como me situo na compreensão de que o direito é um fato embrionariamente surgido na sociedade e por conseguinte sofrendo todas as influências nela ocorridas, concluo que não.

O poder do juiz para decidir conflitos não se exaure na lei nem é externação subjetiva de personalidade do julgador. E captação do comportamento social. A lei adequadamente apanhada na realidade pelo legislador deve ter plena aplicação quando seus princípios são socialmente aceitos. Porém, deve ser reformulada judicialmente quando atinadamente não sofreu modificações legislativas, porquanto a aceitação de sua vigência afronta o comportamento geral numa verdadeira derrogação social e perda de eficácia. De outro lado, impor aceitação às decisões subjetivas quando elas são contrárias ao querer social do monumento de sua aplicação é sobrepor o poder derivado do juiz ao poder original da sociedade. A jurisprudência como realidade viva do direito não pode se apartar do conceito de que sua existência é consequência da própria existência da sociedade. Suas decisões visam a acomodar o conflito social que é própria vida do homem social. Afastar a decisão desse contexto é isolar o direito de seu ambiente natural e torná-lo ilhéu.

 


wellington pacheco barros advogado
Wellington Pacheco Barros, OAB/RS Nº 6.103
Professor de pós-graduação e desembargador aposentado do TJ/RS, advogado e autor de obras jurídicas.
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