WBA artigo Direito Flexível

Direito Flexível

  • Por:WBA

Heráclito já afirmava na antigüidade que todas as regras de direito têm um caráter essencialmente provisional e relativo.

Ora, se para uma sociedade relativamente pequena como a visionada pelo filósofo grego já se admitia que as regras jurídicas tinham uma eficácia relativa e temporal, portanto, flexível, o que teria levado, tempos afora e quando o universo de aplicação do Direito se dimensionou em proporções quânticas, a estabelecer sua imutabilidade e perfeição atemporal? Embora não precise, admite-se que o Direito posto surgiu como dogma de cumprimento inflexível na Idade Média com a reedição dos princípios romanos imperiais clássicos, onde a obediência ao imperador era imposta pelas armas e pela lei que editava. Acontece que nesta nova roupagem renascentista também estava embutida, como lá, a tentativa de afastar o questionamento sobre o poder absoluto de rei medievo, portanto, tornar a lei imutável e imperativa era preservar o poder real que a fazia. O direito legislado, dessa forma, tinha como pressuposto o resguardo do antecedente. Não havia qualquer preocupação com as conseqüências no universo onde seria aplicado.

Mas apesar de a estrutura histórico-política da imutabilidade legal trazer um forte componente de preservação de poder que a emanava, não se nega que este fator importante no processo legislativo passou a ser desconsiderado para se admitir, agora, a sua dogmatização, ou seja, a lei deve ser cumprida, qualquer que seja a sua origem e conseqüências. Observa-se a exclusão do componente social neste conceito.

Todavia, mesmo aqueles que rejeitam qualquer análise anterior ou posterior no processo do direito legislado, com o pressuposto de que a verdade é a legal, sentem eles dificuldades em explicar: por que determinadas leis não “pegam”? Isto, é, embora entendam válidas, por que tais leis são completamente abandonadas ou expressamente desobedecidas pela sociedade? Penso que é aqui que reside a ênfase do moderno direito positivo.

A vida humana em sociedade, especialmente naquelas em desenvolvimento como a nossa, se caracteriza por constante e contínua mudança, concorrendo para isto a convergência de fatores de mais variada contextura. Assim, além das mutações sociais resultantes da natural acomodação da vida grupal, já potencializando as divergências existentes na própria heterogeneidade humana, outros fatores de ordem econômica e política ainda contribuem para quantificar o conteúdo vivo deste universo. Portanto, sendo esta constante busca de identidade um fato reconhecível, há também de se admitir que ela ocorre sem freqüentes rupturas ou extravasamento de conflitos, o que torna tal conseqüência uma circunstância perfeitamente previsível.

Assim, o Direito como conceito de ciência estruturada para controle e resolução pacífica destas mudanças sociais deve se pautar tendo sempre presente que sua ação se opere com o mínimo de trauma. Disso resulta que a ciência jurídica somente atingirá sua função plena quando se utilizar de seu arsenal de princípios para guiar a sociedade ao encontro de soluções que tranqüilizem a vida social. Logo, o bom uso do Direito, em qualquer de suas aplicações pela lei ou pela jurisprudência, apenas encontrará seu conteúdo ótimo se seu operador entender esta vinculação permanente. A compreensão de que ele se basta apenas protegendo o poder que o emite ou não valorizando o universo de sua aplicação, isolando-o de qualquer influência existente na sociedade, pode torná-lo um gerador de problemas e fator incisivo para o agravamento da tensão social ou até de sua ruptura.

 


wellington pacheco barros advogado
Wellington Pacheco Barros, OAB/RS Nº 6.103
Professor de pós-graduação e desembargador aposentado do TJ/RS, advogado e autor de obras jurídicas.
Postado em: Direito, Publicações, wba