A liberdade como conceito de direito, artigo escrito por Wellington Barros, do escritório Wellington Barros Advogados Associados

A liberdade como conceito de direito

  • Por:WBA

Quando o Jornal Estado de Direito aniversaria nada melhor para homenageá-lo e à sua incansável diretora do que enfocar um tema bem representativo daquilo que é sua própria proposta de existência – liberdade.

Como a vida e a saúde, a liberdade é um tema que faz parte da existência humana. A Filosofia, a Sociologia, a Política e o Direito a enfrentam com profundidade. Mas é a Historia nos diz que por ela bateram-se países, revoluções eclodiram, ideologias surgiram e pessoas morreram. Assim, por mais que por ela se lute ou se discuta, haverá sempre a dificuldade de se prendê-la dentre de um conceito pragmático geral.

É certo que cada um sente dentro de si o que é liberdade, porque este sentimento individual é tão forte que se torna quase palpável. Neste prisma, pode representar o gosto pelo mar, pelas montanhas, pela velocidade, pela algazarra do grupo, mas também por estar só, pelo silêncio, pela imensidão do campo ou até mesmo pela embriaguez do vinho. Liberdade, portanto, para cada indivíduo, é um sentimento exclusivo: é a realização do que lhe dá prazer.

Acontece que esta abrangência personalíssima de liberdade não raramente gera conflito interpessoal, como por exemplo, é o exercício no mesmo momento e no mesmo local do gosto pelo silêncio e a necessidade do burburinho. O conflito, assim, como regra natural de coexistência social, precisa ter seu elemento preventivo ou resolutor, mesmo em se tratando de um direito tão caro ao homem.

O Brasil se pauta por normas de condutas escritas; há uma compreensão de que as leis ditadas pelo Estado são instrumentos imprescindíveis para regrar a vida do homem e da sociedade brasileira. O direito legislado, por conseguinte, foi eleito como o exclusivo elemento normatizador da sociedade. O costume, a moral, a ética, que também são normas sociais de comportamento, não raramente são relegados a meras citações doutrinárias, ou explicados como elementos subalternos à lei, e não como anteriores e superiores a ela. Embora se possa atribuir certa legitimidade por seu conteúdo histórico, não significa que a lei tenha, sempre, uma eficácia perfeita, mesmo no estreito campo de supremacia. Isto porque o processo de criação de nossas leis, e em quantidade razoável, não parte do princípio de que deve representar o querer do povo, que é o verdadeiro dono de todo o poder, mais do interesse grupal em jogo. Assim, muitas leis surgem com a obrigação de comportamento geral quando, em verdade, representam o resguardo de poucos. Ou seja, a sociedade é obrigada a cumprir a lei porque lhe dizem que, como lei, deve ser cumprida. Todavia, ela vai obedecer é ao mando do grupo que teve força de dirigir o seu processo de criação através do lobby. Contrariando a lei do grupo, louve-se o Congresso Nacional pela exaustiva discussão que trava a respeito das reformas do Código Florestal. A nova lei terá legitimidade social muito forte.

Mas, afastada a excepcionalidade da lei do grupo, a Constituição Federal é que nos dá o norte para que se possa conceituar liberdade no campo do Direito. Inicialmente, há que se visionar que a Constituição está dividida em dois grandes grupos de direitos: aqueles que representam as coisas dos indivíduos e da sociedade e, no lado oposto, aqueles que representam as coisas do Estado. Nestes, está tudo aquilo que o Estado deve ser: a criatura multifacetada, criada justamente para administrar o comportamento geral, que é a soma dos indivíduos. Naqueles, o que o homem é e o que ele pode fazer, inclusive as defesa que pode opor ao Estado quando esta atenta contra seus direitos.

Dessa forma, sendo a Constituição Federal a partilha de um poder maior, o da sociedade, do povo, no primeiro momento, não pode ter ela regras que se conflituem ou se excluam em obediência ao poder originário. Assim, como a ação do Estado não é absoluta, pois seu comportamento é derivado do poder social geral, ele se personifica nos traços da lei; nem mais, nem menos. Na mesma esteira de ideias se situa o comportamento do indivíduo, pois, embora possa fazer tudo que a lei não proíbe, mas como a lei no Brasil regra muito, seu limite também está nesta mesma lei. Portanto, como ela tem origem e finalidade social, a liberdade individual traz consigo esta carga de limites.

Por isso, é possível se concluir que a liberdade como conceito de direito é ampla mais não é absoluta, em qualquer sentido.

*Artigo publicado originalmente em 08/12/2011, no jornal Estado de Direito.


wellington pacheco barros advogado
Wellington Pacheco Barros, OAB/RS Nº 6.103
Professor de pós-graduação e desembargador aposentado do TJ/RS, advogado e autor de obras jurídicas.

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