A ilegitimidade da lei

  • Por:WBA

No sistema fechado adotado pelo direito brasileiro a lei é a expressão da vontade geral porque criada pelos representantes eleitos pelo povo. Dentro dessa concepção, discutir a legitimidade de seu processo de criação é fugir o exegeta dos limites permitidos para a análise legal. Com isso sustenta-se a verdade de ser o Direito uma ciência perfeita, atemporal, apolítica e inflexível.

Esse sistema criou métodos interpretativos para manter-se. Um dos mais conhecidos foi a Escola da Exegese, do séc. XVII, que consubstanciava ser a lei escrita o ideal de Direito, posto que ela se exauria em si mesma. Tempos depois, surgiu a Jurisprudência de Conceitos, em que se buscava reduzir a função do intérprete a, no máximo, mera busca de regras positivas similares dentro do sistema legal. Em verdadeira revolução, surgiu a Jurisprudência de Interesses ou a Escola de Tubingen, na Alemanha, em que se permitia ao intérprete buscar o pensamento do legislador no momento da criação da lei para que ele, assim, pudesse enfrentar o caso concreto com aquela realidade.

Numa visão sistêmica diametralmente oposta, a Jurisprudência Sociológica argumentou que a lei era apenas um dos caminhos que o intérprete poderia se utilizar na prática do Direito permitindo que se debruçasse sobre a realidade para ali encontrar os elementos resolutórios do conflito. O argumento era de que a lei muitas vezes não representava a vontade geral, mas a vontade do poder dominante, de um partido político ou de um grupo que, por força de pressão de um lobby viciado, conseguia arrancar uma lei de acordo com interesses de uns poucos ou escusos.

Embora os sistemas citados não sejam perfeitos, é possível enumerar três circunstâncias que levam o sistema brasileiro da égide da lei a uma crise de credibilidade.
A primeira delas é reconhecimento que numa sociedade de modificações constantes, a tentativa de pautar com regras fixas inderrogáveis o amanhã de tais modificações com conceitos que deram resultados ontem é, em princípio, negar que a sociedade em si mesma seja dinâmica e que por isso mesmo conflituária necessitando de constante atualização legislativa.

A segunda, reside no próprio processo legislativo. Se a lei deve representar a vontade geral, a aceitação no seu processo de criação através do lobby viciado torna naturalmente questionável o produto dela resultante já que agride a legitimidade que toda lei deve conter.
E a terceira está no reconhecimento pelo próprio grupo de pressão de que existe no Direito a ideia da plenitude da lei e que, apesar disto, há recepção no processo legislativo dessas defesas particulares protegendo interesses ilegítimos.

O Congresso Nacional passa por uma séria crise de credibilidade que perpassa para o processo de criação de leis por causa dos inúmeros casos de corrupção. Portanto, se provado que leis foram criadas através de tal vício elas padecem de ilegitimidade na criação impondo ao intérprete uma adaptação que reduza o conflito que ela própria criou. Com essas características, uma lei, ao invés de ser o elo de ligação entre o Direito e a sociedade, será seu pomo de discórdia, e o processo legislativo, o instrumento de sua ilegitimidade.

Dessa forma, é preciso que o Congresso Nacional exerça seu poder de controle impedindo a criação de leis viciadas ou, se já editadas, revogando-as, para que a sociedade, a verdadeira dona do poder, não seja obrigada a cumprir uma lei juridicamente espúria.

 


wellington pacheco barros advogado
Wellington Pacheco Barros, OAB/RS Nº 6.103
Professor de pós-graduação e desembargador aposentado do TJ/RS, advogado e autor de obras jurídicas.
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