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A função social do direito

  • Por:Wellington Pacheco Barros

Para que serve o Direito? Essa é uma pergunta que todo aquele operador da ciência jurídica deveria fazer como auto contribuição de fortalecimento dessa forma de controle social. No entanto, o que empiricamente se observa, mesmo em nível universitário, é a pouca ênfase que se dá àquelas matérias que circundam toda a teoria geral do Direito em fortalecimento das especialidades. E assim, não raramente, surgem especialistas exímios no cientificismo de suas matérias, mas que, guardadas as honrosas exceções, não agem com a mesma segurança quando a discussão foge de seu enfoque de especialização e envereda por aquilo que deveria ser o trivial, o básico. Conhecem como ninguém todas as teses do Direito posto, da lei que sustenta todo o edifício de seu conhecimento, e diante desses dados formulam hipóteses de uma lógica formidável, chegando mesmo ao requinte de externá-las em sínteses, porém encontram dificuldades para explicar com a mesma agudeza de raciocínio questões como: para que serve tudo isso? O que é o Direito? E qual a sua função?

Não se pode estabelecer com segurança onde e quando surgiu o Direito. Todavia, o rastreamento histórico de dados conhecidos nos leva a mais ou menos estabelecer referências de que o Direito, como significação de algo escrito, tem forte ascendência greco-romana. A extensão do paterfamiliae e os éditos do imperador são exemplos dessa compreensão e servem para demonstrar que a lei no seu início foi a externação de poder por quem o detinha e, por consequência, a via de reforço de sua manutenção. A função do Direito, portanto, nessa visão fechada, teve origem na sustentação do poder de quem, direta ou indiretamente, o criava. Esse enfoque naturalmente teve larga aceitação e não é difícil demonstrar na atualidade a força de seus postulados. Mas, embora ainda tênue, se comparado ao conceito de direito-externação-de-força-de-quem-o-cria, vem se sedimentando a ideia de que a função real do Direito é social, ou seja, sua legitimidade é alcançada quando representa o querer geral. Assim, é na sociedade que se encontra todo o seu início e fim.

Na premissa de que o Direito é externação do poder da sociedade, o pensamento que deverá nortear o legislador na feitura da lei, como agente natural de sua externação, é o de que ela terá maior aceitação e, portanto, maior eficácia quanto maior for o seu campo de abrangência social. Criando comportamento para o futuro ou positivando os já existentes, numa demonstração de que a função legislativa não só regula o hoje, mas também serve de condução para o amanhã como guia do comportamento da sociedade, o Legislativo estará dando ao Direito, no seu específico campo de ação, a devida função social.

De outro lado, também grande é a contribuição do Executivo para o fortalecimento da função social do Direito. Num sistema onde lhe foi dada competência para criar comportamentos e regrar condutas, muitas vezes, inclusive, suplantando pela rapidez o próprio poder natural criador da lei, o governante deverá se pautar na observância de que sua ação política de criar, modificar ou extinguir fatos dará tanto mais função social ao Direito quanto maior for o alcance que a lei portadora de seu comando puder abraçar.

No terceiro ponto, e agora não mais dentro de uma função legislativa criadora de direito, porém na situação ímpar de resolutor de conflitos, está o Judiciário. A largueza das interpretações que este Poder der ao conflito fortalecerá o Direito sempre que ele buscar a ideia de que, por menor que seja a discussão do fato, ela deriva de um contexto bem maior e de grande repercussão social. Decidir sobre locação, por exemplo, não é reduzir o foco sobre os limites de um contrato; é implicitamente externar opinião sobre a abrangência do limite do direito de propriedade e, de outro lado, sobre a dimensão do direito do locatário. De outra forma, decidir sobre a cobrança de impostos não se resume unicamente em acolher toda e qualquer manifestação do Estado nesse sentido; é também travar discussão incidental sobre a suportabilidade ou legitimidade de tal cobrança sobre o indivíduo ou a sociedade. Em outras palavras, a função social do Direito na ótica do Judiciário é alcançada quando na fundamentação da decisão se enquadra o conflito dentro de um comportamento social geral e, constatado o que medianamente ocorre nesse universo, aí se encontrarão as razões de decidir o conflito particularizado.

Aquelas funções que operam o Direito dentro de campos próprios, como os advogados e promotores públicos, por exemplo, porque lidam com o conflito ainda bruto, produzem singular importância para a consolidação da função social do Direito quando aconselham as partes ou produzem promoções calcadas na realidade da sociedade.

O Direito como ciência tem uma origem social; logo, seu conteúdo e sua prática não podem fugir de tais ditames.

 


wellington pacheco barros advogado
Wellington Pacheco Barros, OAB/RS Nº 6.103
Professor de pós-graduação e desembargador aposentado do TJ/RS, advogado e autor de obras jurídicas.
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