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11 de julho de 2024Sumário
1 – Do que se entende por crédito rural
1.1 – Do conceito
1.2 – Da fundamentação legal
1.3 – Dos objetivos do crédito rural
1.4 – Da exegese do crédito rural
1.5 – Da inconstitucionalidade no crédito rural
1.6 – Dos encargos do crédito rural
2 – Dos títulos de crédito rural
2.1 – Generalidades
2.2 – Dos títulos de crédito rural de emissão cartular
2.3 – Dos títulos de crédito rural de emissão escritural
3 – Da execução dos títulos de crédito rural
3.1 – Da execução judicial dos títulos de crédito rural cartular
3.2 – Da execução judicial dos títulos de crédito rural escritural
Existem institutos no direito que são desconhecidos da grande massa da população; pouco conhecidos mesmo dos que lidam com o universo jurídico, ficando restrito apenas aos que trabalham diretamente com a atividade que eles procuram regular. E um desses institutos é o que trata do crédito rural, matéria estruturada dentro da visão peculiar do direito agrário, ramo do direito com autonomia constitucional.
Este artigo procurará demonstrar as peculiaridades existentes na execução de uma dívida de crédito rural.
Para o leitor não familiarizado com o tema, apresento neste tópico uma visão rápida e introdutória do que seja crédito rural, que é o assunto central do que se pretende discorrer. Pois bem, crédito rural é um financiamento concedido pelas instituições financeiras para que os produtores rurais usem em suas propriedades. E assim ele é distribuído em:
(a) Crédito de custeio: que se destina a cobrir despesas normais dos ciclos produtivos, da compra de insumos à fase de colheita;
(b) Crédito de investimento: que se destina a aplicações em bens ou serviços cujo benefício se estenda por vários períodos de produção;
(c) Crédito de industrialização: que se destina à industrialização de produtos agropecuários e
(d) Crédito de comercialização: que se destina a que o produtor tenha condições de aguardar um melhor preço de mercado.
As principais fontes do crédito rural são: depósitos à vista, depósitos de poupança rural, emissão de Letras de Crédito do Agronegócio (LCA), fontes fiscais: BNDES e Fundos Constitucionais e recursos próprios das instituições financeiras.
O público-alvo a que se destina o crédito rural é: produtor rural (pessoa física ou jurídica); cooperativa de produtores rurais; pessoa física ou jurídica que, mesmo não sendo produtor rural, se dedique a uma das seguintes atividades; pesquisa ou produção de mudas ou sementes fiscalizadas/certificadas; pesquisa ou produção de sêmen para inseminação artificial e embriões; prestação de serviços mecanizados de natureza agropecuária, em imóveis rurais, inclusive para proteção do solo; prestação de serviços de inseminação artificial, em imóveis rurais e atividades florestais.
1.1 – Do conceito
Seguindo a sistemática de proteção ao homem do campo, estrutura própria de um direito social, como é o direito agrário, o legislador não se descurou de também estabelecer regras que permitissem o alocamento de recursos, seu gerenciamento e a forma de sua distribuição, visando com isso a desenvolver oficialmente as atividades inerentes à produção rural. Para tudo isso, denominou crédito rural.
O próprio legislador buscou resumir os fundamentos de sua ideia, quando expressamente conceituou o instituto que criava, através da Lei nº 4.829, de 05.11.65, art. 2º:
Considera-se crédito rural o suprimento de recursos financeiros por entidades públicas e estabelecimentos de crédito particulares a produtores rurais ou a suas cooperativas para aplicação exclusiva em atividade que se enquadrem nos objetivos indicados na legislação em vigor.
O Decreto nº 58.380, de 10.05.66, que regulamentou esta lei, reproduziu este conceito no seu artigo 2º.
Portanto, do conceito legal, fica evidenciado que crédito rural é a destinação de recursos financeiros, quer sejam eles da União por intermédio de seus vários órgãos, quer das instituições bancárias particulares concessionárias desse serviço público, com a finalidade específica de desenvolvimento da produção rural. É, em outras palavras, dinheiro oficial, ou particular especialmente vinculado, que o governo destina de forma subsidiada ao produtor rural ou às suas cooperativas.
1.2 – Da fundamentação legal
Como o crédito rural é uma forma de intervenção do Estado em uma atividade historicamente privada, o comércio de dinheiro, suas regras evidentemente que são estratificadas em leis, que são os comandos estatais.
De outro lado, elas demonstram a plena autonomia de um instituto típico de direito agrário, cujos princípios protetivos sempre devem ser aplicados, pois ele tem como meta a justiça social. Logo, apenas subsidiariamente e desde que não conflitante, se devem aplicar os princípios do direito civil.
O crédito rural encontra o seu fundamento maior para existir, essencialmente, no art. 187, inciso I, da Constituição Federal, que diz:
A política agrícola será planejada e executada na forma da lei, com a participação efetiva do setor de produção, envolvendo produtores e trabalhadores rurais, bem como dos setores de comercialização, de armazenamento e de transporte, levando em conta, especialmente:
I – os instrumentos creditícios e fiscais.
O crédito rural, portanto, é um instituto estruturado em lei.
As resoluções do Conselho Monetário e do Banco Central sobre o tema são atos administrativos e não podem contrariar a dicção legal. Basicamente a Lei nº 4.829/65, recepcionada pela Constituição Federal, é onde está institucionalizado; e ainda no Decreto nº 58.380/66, que a regulamentou; o Decreto-Lei nº 167/67, que criou os títulos de crédito rural; no Decreto nº 6.214, de 18.01.68, que disciplina as garantias dos títulos de crédito rural; na Lei nº 8.171, de 17.01.91, que estabelece regras de política agrária, e na Lei nº 8.929, de 22.08.94, que criou um novo título de crédito chamado Cédula de Produto Rural.
1.3 – Dos objetivos do crédito rural
O art. 3º da Lei nº 4.828/65 foi o dispositivo legal que primeiramente especificou os objetivos do crédito rural, definindo o seu alcance.
Hoje, com pequenas alterações, estes princípios estão enumerados no art. 48 da Lei nº 8.171/91, nos seguintes termos:
Art. 48 – O crédito rural, instrumento de financiamento da atividade rural, será suprido por todos os agentes financeiros sem discriminação entre eles, mediante aplicação compulsória, recursos próprios livres, dotações das operações oficiais de crédito, fundos e quaisquer outros recursos, com os seguintes objetivos:
I – estimular os investimentos rurais para produção, extrativismo não predatório, armazenamento, beneficiamento e instalação de agroindústria, sendo esta, quando realizada por produtor rural ou suas formas associativas;
II – favorecer o custeio oportuno e adequado da produção, do extrativismo não predatório e da comercialização de produtos agropecuários;
III – incentivar a introdução de métodos racionais no sistema de produção, visando ao aumento da produtividade, à melhoria do padrão de vida das populações rurais e à adequada conservação do solo e preservação do meio ambiente;
IV – vetado
V – propiciar, através de modalidade de crédito fundiário, a aquisição e regularização de terras pelos pequenos produtores, posseiros e arrendatários e trabalhadores rurais;
VI – desenvolver atividades florestais e pesqueiras.
Pela enumeração dos objetivos do crédito rural elencada na lei, já se pode observar a larga intenção do legislador de abarcar com suprimentos financeiros os vários setores vinculados à produção rural, inclusive nele agrupando atividade que diretamente nada tem de rural, como é o caso da atividade pesqueira.
É de se evidenciar que, em todos os incisos do art. 48 da Lei nº 8.171/91, acima transcrito, como já ocorria no art. 3º da Lei nº 4.829/65, o legislador deixou clara sua ideia de proteção ao produtor rural ao utilizar termos como estimular, favorecer, incentivar, propiciar e desenvolver, todos eles característicos de quem intervém com a finalidade de ajudar, circunstância inerente à aplicação de uma justiça social para o crédito rural. Insisto nesse ponto, porque ele deve ser a tônica a ser observada pelos órgãos estatais que dirigem a estrutura creditícia rural, que, ao emanarem ordens delegadas na concretização do instituto, não podem fugir da sistemática originalmente imposta. Esse desvio de comportamento, como por exemplo na expedição de ordens de serviços ou portaria, agride o sistema que o legislador buscou proteger e se constitui em ato administrativo viciado por desvio ou até mesmo abuso de poder. Quem detém poder delegado de regulamentar preceitos legais não pode se desviar da estrutura delineada pelo poder delegante. E se o ato é praticado por órgãos do Executivo, esse excesso é uma agressão ao Poder Legislativo que criou a lei protetiva.
1.4 – Da exegese do crédito rural
Já foi visto que em 1964 foi introduzido no Brasil um sistema jurídico voltado exclusivamente para a atividade rural, chamado de direito agrário, que disciplinou várias relações jurídicas ali praticadas e entre elas, o crédito rural.
Crédito rural, ou seja, repetindo, é dinheiro que o governo determina seja emprestado pelos estabelecimentos bancários de forma subsidiada para sustentar a atividade agrária, é, enfatizo, um instituto de direito agrário, de autonomia plenamente admitida pela Constituição Federal, art. 22, inciso I; portanto, tem ele toda a conotação de proteção social. Como a atividade bancária é considerada atividade de interesse público, é ela tutelada pelo Estado, de onde sofrem os bancos eterna intervenção. Ora, como crédito rural é preocupação estatal, estão os bancos necessariamente submetidos ao dirigismo do Estado, que por sua vez na busca de uma justiça social. Como este tema, se alinham outros como função social da propriedade, reforma agrária, desapropriação por interesse social, contratos de arrendamento e parcerias, usucapião especial, títulos de crédito rural, dentre tantos que povoam o Direito Agrário. Repetindo: as regras de autonomia de vontade no crédito rural são afastadas para dar lugar a ditames oficiais onde deve sempre predominar a proteção ao mais fraco. Assim, na interpretação de qualquer conflito envolvendo cédula rural, na qual a cédula rural pignoratícia é uma espécie, que é matéria de crédito rural, portanto de Direito Agrário, se deve ter presente a supremacia da interpretação social.
Assim, dentro do conceito de que crédito rural é instituto que tem como égide sistemática de proteção social, a interpretação que deve emanar das leis que o regulam é nesse sentido. Introduzir preceitos regulamentares, como por exemplo, resoluções do Banco Central, ou se tentar dar exegese diferenciada é conflitar o sistema, que sabidamente foi criado para proteger.
Para finalizar esta fundamentação, resumo que crédito rural tem um sistema de nítida proteção social e que, portanto, nele não se podem introduzir regras que primem pela absoluta autonomia de vontade ou ainda que procurem introduzir regulamentos que contrariem o sistema.
1.5 – Da inconstitucionalidade no crédito rural
Diz a Constituição Federal, no seu artigo 187, que instrumentos de crédito rural é matéria de política agrícola, que deve ser planejada e executada na forma da lei, mas, e aqui a importância, com a participação efetiva do setor de produção. Ora, isso significa dizer que qualquer emanação legislativa do Estado, quer seja por lei ou por resolução, precisa antes ter sofrido prévia discussão entre os interessados diretos, os produtores. Dessa forma, a estipulação feita pelo Conselho Monetário Nacional, pelo Banco Central ou até mesmo pelo banco emprestador, só tem validade se passar pelo crivo da prévia participação da parte interessada.
Se não há, as regras emanadas sofrem vício de origem, o que as torna sem legitimidade de obediência. Mais uma vez fica demonstrado que o dirigismo estatal, antes de se traduzir em linguagem jurídica, é ato político a necessitar de prévia conversação. Logo, nos termos da Constituição Federal, não existe o jus imperii.
1.6 – Dos encargos do crédito rural
Sobre o crédito rural incide vários encargos.
Juros: A remuneração do dinheiro emprestado é matéria de crédito rural, portanto, dentro do conceito legal do instituto que busca estimular, favorecer, incentivar, propiciar e desenvolver a atividade rural, nos termos do art. 48 da Lei nº 8.171/91.
O ponto forte da questão está no limite de remuneração desse dinheiro tomado.
É bom que se repita que o crédito rural não é contrato de predomínio da manifestação de vontade, como ocorre nos contratos elaborados sob a égide do Direito Civil. Neles, o que existe é um forte dirigismo estatal impondo comandos legais e com isso relativizando vontades. Por essa ótica, nem mesmo as orientações daqueles órgãos que a lei determinou como gerentes dessa forma de empréstimo de dinheiro ao campo são livres. Elas deverão se pautar tendo sempre como norte a própria ideia de criação da lei, que é de estímulo, favorecimento, incentivo e desenvolvimento do setor de produção rural. Resolução ou ordem de serviços que fixem normas de remuneração do crédito rural são estruturalmente ilegais.
Logo, os juros remuneratórios não podem ficar ao arbítrio do agente emprestador ou dos órgãos que dirigem o crédito rural para fixá-los em percentuais que agridam a determinação de favorecimento imposta na lei. Como existe um parâmetro legal de no máximo 12% ao ano, é este o limite até onde pode ir à remuneração.
Por outro lado, a fixação de índice de juros superiores ao limite legal, através de resolução ou ordem de serviço do Conselho Monetário Nacional ou do Banco Central, padece de vício de inconstitucional de origem, pois não sofreu a prévia participação dos produtores interessados, e a matéria se insere no campo da política agrícola, nos exatos termos do art. 187 da Constituição Federal.
Além disso, tenho que não se pode inserir na discussão o art. 192, § 3º, da Constituição Federal, porque normas ordinárias limitadoras dos juros até 12% a.a. ainda estão plenamente em vigência, como são o Código Civil e o Decreto nº 22.626, de 07.04.33.
A capitalização dos juros é semestral, porque esta é a forma que melhor se adequa à sistemática protetiva do crédito rural que o legislador buscou conceituar. Ademais, a capitalização mensal ou anatocismo é cláusula proibida em lei, eis que proporciona um enriquecimento indevido numa atividade que o Estado sempre buscou proteger.
Aplica-se aos juros moratórios a mesma sustentação feita para os juros remuneratórios. Todavia, aqui há uma circunstância a merecer ponderação.
A incidência dos juros moratórios decorre do não-pagamento do crédito rural no prazo fixado no contrato e externado no título de crédito rural. Por conseguinte, sua cominação apenas se impõe na ausência de justa causa que impossibilite o devedor de pagar sua dívida rural. Exigir cláusulas contrárias à própria essência do crédito rural, como juros acima de 12% (doze por cento), correção monetária superior ao menor índice oficial, por exemplo, caracteriza pretensão injustificada do emprestador e, por outro lado, recusa justificada do tomador, elidindo a pretensão do encargo de juros moratórios.
O percentual, por força de dispositivo legal, é de 1% (um por cento) ao ano, nos termos do parágrafo único do art. 5º do Decreto-Lei nº 167/67. Aqui, mais uma demonstração da ideia de benefício imposta pelo legislador, porquanto a periodicidade de incidência dos juros moratórios no Código Civil é mensal.
Correção monetária: Por uma pequena fração de tempo, chegou-se a pensar que a correção monetária não deveria incidir sobre o crédito rural. A sustentação desse ponto de vista tinha como fundamento a ausência de dispositivo legal regrando a matéria, enquanto os empréstimos para a atividade comercial e industrial traziam determinação legal expressa nesse sentido.
A questão já foi largamente superada, sob o entendimento de que correção monetária não é uma cláusula que se deva introduzir nos empréstimos agrários, mas uma consequência natural e ínsita a toda dívida de dinheiro. É certo que a sistemática do crédito rural é de proteção ao produtor rural. Todavia, essa proteção não significa doação ou mesmo mútuo, pois manter-se aquilo que a própria estrutura jurídica define como contrato oneroso, sem a incidência de correção dos valores emprestados, numa espiral inflacionária que muitas vezes em apenas um mês chega a corroer 50% (cinquenta por cento) do valor original, é doar essa importância ou mesmo emprestá-la gratuitamente. E isso nunca foi ideia do legislador.
A correção monetária, logo, é devida nesse tipo especial de contrato de empréstimo de dinheiro. As discussões que pairam agora são sobre o fator de correção a incidir sobre o valor tomado.
Entendo que, sendo o crédito rural um instituto criado pelo legislador com a intenção clara de regrar protetivamente o dinheiro emprestado ao produtor rural, inserindo-se essa proteção em toda sistemática do direito agrário, que é de cunho social, a correção monetária a incidir sobre o valor desse contrato é aquela de menor incidência dentre as oficialmente criadas. Essa exegese é consequência dos objetivos pretendidos buscar pelo legislador com a institucionalização do crédito rural quando, no art. 48 da Lei nº 8.171/91, expressamente antecedeu a enumeração daqueles objetivos com formas verbais inequívocas de estimular, favorecer, incentivar, propiciar e desenvolver, que são expressões claras de proteção. Ora, e em se tratando de um contrato onde o objeto é emprestar dinheiro, só se estimula, favorece, incentiva ou propicia, fazendo incidir na devolução desse dinheiro cláusulas mais amenas do que aquelas usualmente encontradas nesse campo da atividade econômica. De outro lado, não haveria razão alguma para a tutela forte que o Estado legislador exerce nessa forma de contrato. Bastaria que o emprestador e o tomador do dinheiro diretamente pactuassem as cláusulas de correção.
Dessa forma, a correção do crédito rural fixada pelos índices da ANBID (Associação Nacional dos Bancos de Investimento e Desenvolvimento), TR (Taxa de Referência), caderneta de poupança, preço/produto, ou qualquer outra desse estilo, só deverá ser admitida se representar o menor índice oficialmente declarado.
A inclusão de qualquer uma dessas formas de correção monetária no contrato de crédito rural, instrumentalizada através de seus títulos de crédito, será passível de revisão diretamente pelas partes, ou através do Poder Judiciário. Não fora isso, se tal cláusula for inserida no contrato por determinação de qualquer órgão dirigente do crédito rural, como Conselho Monetário Nacional ou Banco Central, sem a prévia participação do setor de produção rural, sofre vício de inconstitucionalidade, pois, sendo matéria de política agrícola, a ouvida prévia dos diretamente envolvidos é condição de procedibilidade e, por consequência, de validade e eficácia dessa cláusula. O poder dos órgãos dirigentes do crédito rural não é absoluto e está condicionado ao mandamento do art. 187, inciso I, da Constituição Federal.
Multa: A multa é penalização pelo não-pagamento do crédito rural. Evidentemente que sua incidência decorre da ausência de justa causa do tomador do dinheiro. Logo, se o agente emprestador vem a praticar ações atentatórias à estrutura do crédito rural, como correção monetária indevida, juros acima do limite legal, não pode ser beneficiado com a cobrança de multa, pois o não-pagamento tem justificativa.
Sendo devida a multa, o seu limite é de 2% (dois por cento) sobre o valor devido mais encargos, consoante o art. 71 do Decreto-Lei nº 167/67, com a redação dada pela Lei nº 13.986/2020:
Art. 71. Em caso de cobrança em processo contencioso ou não, judicial ou administrativo, o emitente da cédula de crédito rural ou da nota promissória rural ou o aceitante da duplicata rural responderá ainda pela multa de até 2% (dois por cento) sobre o principal e acessórios em débito, devida a partir do primeiro despacho da autoridade competente na petição de cobrança ou de habilitação de crédito.
Como se observa na redação do artigo, a multa só incide havendo uma proposição de cobrança pelo credor do crédito rural, quer seja ela de forma administrativa ou judicial, e mesmo assim a partir do momento que a petição de cobrança ou de habilitação de crédito for despachada pela autoridade administrativa ou pelo juiz.
A cobrança extrajudicial via cartório estabelecida pela Lei 14.711/23 é inaplicável ao crédito rural porque ela se refere às dívidas garantidas com alienação fiduciária.
Comissão de permanência: A remuneração incidente sobre o crédito rural após o seu vencimento é eufemisticamente chamada de comissão de permanência. Todavia, ela nada mais é do que a continuação dos juros remuneratórios. Logo, a comissão de permanência a ser cobrada não poderá ser superior a 12% (doze por cento).
O que não pode haver é a cumulação de juros remuneratórios e comissão de permanência, pois, aí, existiria duplicidade de cobrança de encargos sobre um mesmo fato.
Comissão de fiscalização: O agente emprestador do crédito rural pode cobrar do tomador do dinheiro as despesas efetivamente realizadas a título de fiscalização do empreendimento objeto do contrato. Naturalmente, que essas despesas só se tornam exigíveis se realizadas, o que impõe ao órgão emprestador o dever de comprová-las. A comissão de fiscalização pode ser fixada em índice percentual sobre o valor do empréstimo.
Despesas cartorárias: O crédito rural é instrumentalizado através de duas formas de títulos de crédito rural, o cartular e o escritural. Esses títulos possuem peculiaridades próprias, como o de consubstanciar em si mesmo as garantias do empréstimo. Como consequência, essas garantias necessitam de inscrição e averbação no Cartório do Registro de Imóveis para que seus efeitos atinjam terceiros. As despesas cartorárias resultantes dessas operações são de responsabilidade do tomador do empréstimo. O agente emprestador apenas as antecipa ao oficial do Registro de Imóveis e as debita na conta do tomador. No entanto, assume a responsabilidade de demonstrar que elas foram realizadas.
Outras despesas bancárias: O agente emprestador do dinheiro pode cobrar-se de toda e qualquer despesa efetuada na execução do crédito rural, quer de cunho administrativo, quer judicial.
PROAGRO: O Programa de Garantia de Atividade Agropecuária, ou PROAGRO, é uma espécie de seguro oficial criado pelo Governo Federal com o objetivo de exonerar o produtor rural das obrigações financeiras líquidas relativas ao crédito rural, cujo pagamento seja dificultado pela ocorrência de fenômenos naturais, pragas e doenças que atinjam bens, rebanhos e plantações. As obrigações financeiras líquidas resultam do valor emprestado menos os encargos financeiros, comissão de fiscalização, despesas cartorárias, ou qualquer outra despesa praticada para a efetivação do crédito rural.
O PROAGRO, dessa forma, é um contrato acessório de seguro ao crédito rural, em que o Governo Federal é o próprio segurador, e o agente emprestador, o corretor desse seguro.
O “prêmio” desse seguro especial, em geral de 1% (um por cento) do valor tomado mais encargos, é devido pelo tomador do empréstimo rural, cobrado pelo agente emprestador, que atua na condição de corretor e o repassa ao Banco Central. A indenização nunca é superior a 80% (oitenta por cento) do total devido.
É de se deixar claro que, como o contrato acessório do PROAGRO é feito diretamente com o Governo Federal, o produtor rural que quiser reivindicá-lo deverá se dirigir ao Segurador, administrativa ou judicialmente. Por conseguinte, não há possibilidade de compensação entre a dívida do crédito rural e a indenização do PROAGRO, até mesmo porque a execução dessa dívida ocorre na Justiça Comum, e a indenização do seguro, na Justiça Federal, pela categoria do réu envolvido.
2 – Dos títulos de crédito rural
2.1. Generalidades
Antes da assunção de responsabilidade pelo Estado para as coisas do campo, embrionada a partir de 1964, com a Emenda Constitucional nº 10, que possibilitou a edição do Estatuto da Terra, as relações jurídicas até então praticadas tinham revestimentos do Código Civil de 1916. Este, como se sabe, primava pela autonomia de vontade, calcado no sistema político e econômico chamado de neoliberalismo. Por ele, o exercício do direito de propriedade seria máximo, permitindo que o homem proprietário rural usasse, gozasse e pudesse dispor de sua terra da forma que lhe fosse mais conveniente, pois esse seria o conceito de ser dono de imóvel rural que o seu sistema incutia.
Com a vigência do novo sistema, que retirou direitos do proprietário rural para lhe outorgar deveres, sob a égide da conceituação de que a terra tem uma função social, logo, por si só, tem deveres, especificamente no crédito rural, criou títulos com características nitidamente diferenciadas para servir de instrumento formal de empréstimos de dinheiro ao campo.
E ante as inovações tecnológicas e a necessidade de adaptação dessa tecnologia ao campo, foram permitidas as emissões de cédulas de crédito rural escriturais, através da Lei nº 13.986/2020, a chamada Lei do Agro.
Diante disso, é possível se estabelecer que os títulos de crédito rural podem ser agrupados em duas classes: (a) títulos de crédito rural de emissão cartular e (b) títulos de crédito rural de emissão escritural.
2.2 – Dos títulos de crédito rural de emissão cartular
Os títulos de crédito rural de emissão cartular, ou a forma clássica de emissão de títulos de crédito, estão enumerados nos artigos 9° a 13, do Decreto-Lei n° 167/67, e são aqueles que representam documentalmente uma promessa de pagamento em dinheiro, com ou sem garantia real, e se originam diretamente do crédito rural, que é dinheiro oficialmente emprestado ao campo. Estes títulos de crédito são a: (1) cédula rural pignoratícia; (2) cédula rural hipotecária; (3) cédula rural pignoratícia e hipotecária e (4) nota de crédito rural.
Os títulos de crédito rural de emissão cartular têm características agrárias típicas (I) não necessitam de protesto para constituição em mora, mas tampouco possibilitam pedido de falência: (II) possuem liquidez já que não ensejam dúvida quanto aos valores neles constantes, quer se constituam eles do valor líquido do empréstimo ou deste acrescido de correção monetária, juros remuneratórios, comissão de fiscalização e demais despesas; (III) possuem certeza pois representam a verdade de um negócio firmado entre as partes e (IV) garantem a exigibilidade uma vez que prescindem de qualquer condição para exigir o pronto pagamento.
Os títulos de crédito rural de emissão cartular possuem vários requisitos comuns:
– Denominação;
– Data e condições de pagamento; havendo prestações periódicas ou prorrogações de vencimentos, o acréscimo de nos termos da cláusula Forma de Pagamento abaixo, ou nos termos da cláusula Ajuste de Prorrogação abaixo;
– Nome do credor e cláusula à ordem;
– Valor do crédito deferido, lançado em algarismo e por extenso com indicação da finalidade ruralista a que se destina o financiamento concedido e a forma de sua utilização;
– Taxa dos juros a pagar, e da comissão de fiscalização, se houver, e tempo de seu pagamento;
– Praça de pagamento;
– Data e lugar da emissão;
– Assinatura do próprio punho do emitente ou de representante com poderes especiais.
O requisito denominação nos títulos de crédito de emissão cartular serve para demonstrar, já no primeiro momento, se o crédito rural foi lastreado ou não de garantia real. Assim, a denominação cédula rural pignoratícia demonstra que o empréstimo rural teve como garantia bens móveis passíveis de penhor, ou aqueles para os quais a lei estendeu essa conceituação; cédula rural hipotecária, que a garantia se constituiu de bens imóveis; cédula rural pignoratícia ou hipotecária, que a garantia é cumulada pelo penhor e hipoteca, e nota de crédito rural, que não existe qualquer garantia real cedularmente constituída.
O requisito data e condições de pagamento serve para fixar o momento normal que o título se torna exigível e a forma como poderá ser pago, se não houver vencimento antecipado por inadimplência de qualquer obrigação convencional ou legal praticada pelo emitente, ou pelo terceiro que prestou a garantia real. Possuindo os títulos de crédito uma formalidade mitigada, diferente da rigidez dos títulos de crédito de natureza cambial, permitem eles a inserção de formas parceladas de pagamento ou posterior aditamento, fixando agora pagamento em parcelas de uma dívida anteriormente unitária ou ainda prorrogações de vencimento estabelecidas diretamente entre o agente financiador e devedor, ou através de intervenções governamentais geradas pelo Conselho Monetário Nacional ou Banco Central, já que crédito rural é instituto de política agrária, que é ciência de inconstância. É de se deixar claro que os aditamentos aos títulos de crédito rural resultantes das intervenções governamentais só são admissíveis se forem expedidos em benefício do tomador do dinheiro. Modificações geradoras de mais obrigações atentam contra o princípio do direito adquirido.
Os acréscimos nos termos da cláusula Forma de Pagamento abaixo ou nos termos da cláusula Ajuste de Prorrogação abaixo servem exatamente para caracterizar as mudanças verificadas posteriormente nos títulos de crédito.
O requisito nome do credor e cláusula à ordem identifica o beneficiário da dívida; é a pessoa a quem obrigatoriamente deverá se dirigir o emitente do título na data do pagamento. Em geral, o credor é o agente financeiro emprestador do dinheiro. No entanto, nada impede que pela força da cláusula à ordem, ou endosso, o credor seja pessoa diferente daquela que emprestou o dinheiro, ou até mesmo indeterminado, no caso do título ter se tornado ao portador. Na hipótese, a dívida só poderá ser paga com a apresentação do título.
Quanto ao requisito valor do crédito deferido, lançado em algarismo e por extenso, com indicação da finalidade ruralista a que se destina o financiamento concedido e a forma de sua utilização, observa-se que o legislador procurou, no primeiro momento, fixar o quantum de dinheiro emprestado, prevalecendo o valor escrito ao valor numérico, no caso de dúvida.
Importância fundamental desse requisito é a indicação da finalidade para que se destina o financiamento e a forma de sua utilização. Vencendo o crédito rural encargos bem aquém dos geralmente fixados pelo mercado, dirigismo governamental a que estão vinculados os agentes financeiros, a) porque lidam com dinheiro oficial, ou b) porque são assim obrigados a agir quanto a dinheiro seu por imposição de uma concessão pública que exercem, naturalmente que a destinação desse dinheiro deveria também ser regrada. Por essa lógica, o empréstimo é feito para alguma atividade rural, circunstância que afasta a disponibilidade do tomador. O compromisso que o devedor assume com essa cláusula vincula o emprego do dinheiro a uma destinação específica. Seu desvio pode caracterizar inadimplência de obrigação convencional e ensejar a antecipação do vencimento do título. E o legislador foi mais além ao exigir a descrição completa da forma de como ele será utilizado.
Outro requisito comum aos títulos de crédito rural de emissão cartular é a fixação da taxa de juros a pagar, e da comissão de fiscalização, se houver, e o tempo de seu pagamento. Aqui, uma das questões mais discutidas na jurisprudência e na doutrina.
Com a devida vênia, e em repetição, penso que há um claro desvio de interpretação ao se pretender como predominante a autonomia de vontade, resultante de uma liberdade contratual na fixação dos juros remuneratórios no crédito rural. Isso não existe! Toda a sistemática desse instituto, como de regra de todo direito agrário, é na busca de justiça social, que representa proteção de uma classe social em detrimento de outra. É a busca da igualdade pela desigualdade. Por conseguinte, o suprimento interpretativo, na ausência de regras expressas declarativas dessa proteção, deve ter essa tônica, e nunca enveredar para um sistema diametralmente oposto, que é a do direito civil. A mens legis não pode ser modificada. A dificuldade que uma inversão de tal jaez poderia oportunizar é a mesma de se tentar aplicar regras civilistas nas relações de trabalho.
Portanto, se o sistema social do direito agrário não se adequa a uma realidade neoliberal, que se revogue a lei. Nunca por via indireta de resoluções, ordens de serviços ou portaria, porque estas interpretações são derivadas, e como tais devem obedecer ao legislador que as criou. Mudar o Poder Executivo o sistema de proteção criado pelo Poder Legislativo é praticar desvio de poder e oportunizar o controle do ato administrativo assim emanado pelo Poder Judiciário.
A taxa de juros remuneratórios não poderá ser superior a 12% (doze por cento).
Seu critério de pagamento é semestral, sob pena de anatocismo.
Quanto à comissão de fiscalização, não basta ser pactuada, há necessidade de que efetivamente seja realizada, o que obriga o agente financeiro a demonstrá-la. Pactuada e não realizada, é cláusula indevida a permitir sua oposição de pagamento.
O requisito praça de pagamento fixa o lugar que o devedor deverá pagar a dívida, desobrigando-o de qualquer outro.
A data, o lugar da emissão e assinatura do título são requisitos comuns que complementam a perfeição formal do crédito rural. A data e o lugar de emissão projetam para o futuro o momento exato e local de criação do contrato de empréstimo de dinheiro rural. Já a assinatura pessoal ou por representante com poderes especiais o torna plenamente válido.
Além dos requisitos comuns acima analisados, existem requisitos específicos a cada um dos títulos de crédito rural de emissão cartular.
A cédula rural pignoratícia, por exemplo, deve conter a descrição dos bens vinculados em penhor, que se indicarão pela espécie, qualidade, quantidade, marca ou período de produção, se for o caso, além do local ou depósito em que os mesmos bens se encontrarem. Como uma das características dos títulos de crédito rural é a inserção direta da garantia dada ao empréstimo tomado, nada mais lógico que os bens que a constituem sejam discriminados com a maior abrangência possível, a fim de não deixar qualquer dúvida na sua individualização. Como garantes e depositados em mãos do próprio devedor ou do terceiro prestante da garantia real, eles precisam de completa identificação. Assim, por exemplo, se o penhor incidir sobre uma máquina colheitadeira, a descrição desse bem abrangerá tipo, ano de fabricação, número de chassi, motor, pintura, estado de conservação, capacidade da caçamba, tipos de pneus, e tudo o mais necessário para sua perfeita identidade.
Na cédula rural hipotecária, é o imóvel que deve ser descrito com indicação do nome, se houver, dimensões, confrontações, benfeitorias, títulos e data de aquisição e anotações (número, livro e folha) do registro imobiliário. Por conveniência das partes, esta descrição poderá ser substituída pela anexação do título de propriedade, referindo-se na cédula rural a este fato. Circunstância interessante é que os bens móveis adquiridos com o crédito rural incorporar-se-ão à garantia hipotecária, bem assim toda e qualquer benfeitoria realizada no imóvel.
Para a validade da garantia hipotecária, há necessidade do consentimento do outro cônjuge e de registro do Cartório de Registro de Imóveis, nos termos que a lei dos Registros Públicos dispuser, ficando revogadas as disposições dos arts. 30 a 41 do Decreto-Lei nº 167/67 a esse respeito. Porém, sua ausência invalida apenas a garantia, e não o contrato de empréstimo. Pode ser objeto de garantia qualquer imóvel, rural ou urbano.
A cédula rural pignoratícia e hipotecária conjuga a necessidade de descrição completa dos bens móveis passíveis de penhor, como na cédula rural pignoratícia exclusiva, com descrição do imóvel oferecido em hipoteca, como ocorre na cédula rural hipotecária. Pela prevalência desta última garantia, haverá necessidade de consentimento do outro cônjuge e registro no R.I.
A nota de crédito rural, por se destinar a empréstimos de pequena monta, não necessita de garantia real. Nada impede, contudo, que o agente emprestador se garanta com aval ou fiança e, neste caso, também com o consentimento do cônjuge do fiador.
2.3 – Dos títulos de crédito rural de emissão escritural
Em 2020, foi editada a Lei nº 13.986, a chamada “Lei do Agro”, tendo como objetivo facilitar e desburocratizar o acesso dos produtores rurais ao crédito rural e com isso melhor atender as suas atividades, aumentando mais ainda o grau de importância da atividade rural na economia brasileira.
Com relação aos títulos de crédito rural, duas mudanças aconteceram.
A primeira, foi que a Lei do Agro revogou os artigos 30 a 40 do Decreto-Lei e o artigo 167, inciso I, item 13, da Lei nº 6.015/1973 (Lei dos Registros Públicos), que regravam sobre a necessidade de inscrição das cédulas de crédito rural no Cartório de Registro Imobiliário. Sendo assim, apenas continuam sujeitas a registro as garantias reais das cédulas de crédito rural. Logo, tratando-se de penhor rural, a inscrição será feita no Cartório de Registro Imobiliário da circunscrição em que estiverem situados os bens empenhados, nos termos do artigo 1.438 do Código Civil de 2002. Já quando se tratar de hipoteca, a inscrição será feita no Cartório de Registro Imobiliário da circunscrição em que estiver situado o imóvel dado em garantia, com base no artigo 1.492 do mesmo Código Civil.
Mas a modificação mais importante trazida pela nova lei foi a possibilidade de emissão de cédulas de crédito rural escriturais. Essa possibilidade se concretizou pela introdução da lei do artigo 10-A no Decreto-Lei nº 167/67, nestes termos:
Art. 10-A. A cédula de crédito rural poderá ser emitida sob a forma escritural em sistema eletrônico de escrituração.
É de se observar que a forma escritural de emissão de Cédula de Crédito Rural não é uma obrigatoriedade. É uma faculdade. E como a dívida de crédito rural é uma realidade já de muitos anos no campo, muitos desses débitos ainda estão formalizados em cártulas e assim continuarão até a extinção da dívida de crédito rural, pois a lei fala em “emitida”, que significa o momento de sua criação. Não há previsão para transformação de cédula cartular em escritural.
Mas essa novidade decorre de assimilação pelo direito das novas tecnologias que são utilizadas para acompanhar as necessidades da economia moderna e globalizada.
A nova Cédula de Crédito Rural será emitida em sistema eletrônico de escrituração mantido por entidade autorizada pelo Banco Central do Brasil a exercer atividade de escrituração. Nesse sentido, caberá ao BC autorizar e estabelecer as condições para o exercício das atividades de escrituração da cédula de crédito rural, bem como supervisionar tal atividade, nos termos de seu artigo 10-A, § 2º.
E, através da Circular 4.036, de 15 de julho de 2020, o Banco Central regulamentou a escrituração da Cédula de Crédito Rural pontuando, entre outras coisas, que somente isso seria possível daquelas representativas de suas próprias operações de crédito e também equacionando a questão endosso. Nesse caso, o endosso da cédula de crédito rural escritural se dará por meio de uma ordem de transferência do título dada pelo endossante à instituição financeira escrituradora, que operará a referida transferência em seu sistema eletrônico, o que se refletirá nos sistemas do depositário central ou da entidade registradora. O sistema eletrônico de escrituração de que trata o caput do art. 10-A deste Decreto-Lei fará constar: I – os requisitos essenciais do título; II – o endosso e a respectiva cadeia de endossos, se houver; III – a forma de pagamento ajustada no título; IV – os aditamentos, as ratificações e as retificações de que trata o art. 12 deste Decreto-Lei; V – a inclusão de notificações, de cláusulas contratuais, de informações ou de outras declarações referentes à cédula de crédito rural e VI – as ocorrências de pagamento, se houver. E, consoante o parágrafo único do mesmo art. 19-A, na hipótese de serem constituídos garantias e quaisquer outros gravames e ônus, tais ocorrências serão informadas no sistema de que trata o caput do artigo art. 10-A deste Decreto-Lei.
É importante salientar que a cédula de crédito rural escritural não admite o endosso em branco, somente o endosso em preto, tendo em vista que, para a escrituradora efetuar a transferência, é necessário que o endossante informe os dados do endossatário, o qual também deverá ter acesso ao sistema eletrônico, conforme art. 4º, § 1º da Circular.
Mas é admitido o endosso por mandatário na cédula de crédito rural escritural, desde que conste no sistema eletrônico da escrituradora procuração com poderes específicos para efetivação do endosso do título em nome do endossante.
Ademais, para fins de garantir a segurança, integridade e autenticidade desse endosso, de acordo com o art. 5º, parágrafo único, da Circular, ele ocorrerá por meio de assinatura eletrônica do endossante, com todas as cautelas necessárias para isso.
Por fim, consoante o art. 10-D, do Decreto-Lei nº 167/67, constarão da cédula de crédito rural escritural a forma de pagamento com datas e valores a serem pagos, conforme ajustado entre devedor e credor. Também deverão constar na cédula os aditamentos, ratificações e retificações da cédula, decorrentes das renegociações ou amortizações da dívida, conforme o art. 12 do mesmo Decreto-Lei.
Como a Cédula de Crédito rural escritural é um título causal, é necessário constar do sistema eletrônico notificações, informações adicionais ou cláusulas contratuais atinentes à cédula e mais ainda a finalidade do título, ou seja, a razão pela qual o devedor contraiu o financiamento consubstanciado na cédula de crédito rural
O parágrafo único do artigo em comento estabelece que, na hipótese de serem constituídas garantias ou quaisquer ônus ou gravames na cédula de crédito rural escritural, isso deverá constar do registro do sistema eletrônico de escrituração. Esclarece-se que as garantias são aquelas previstas no Decreto-Lei para assegurar o pagamento da cédula de crédito rural – penhor e hipoteca -, e os ônus ou gravames são aqueles constituídos sobre a própria cédula ou sobre o direito creditório que serve de lastro para sua emissão.
É característica da cédula de crédito rural com garantia real que tal garantia seja constituída na própria cédula, ou seja, que dela conste a descrição dos bens dados em garantia e a assinatura do terceiro garantidor, caso a garantia não seja prestada pelo próprio devedor emitente. Dessa forma, tais informações devem constar do sistema eletrônico de escrituração, que reproduz uma cártula eletrônica, para que a garantia possa ser considerada cedularmente constituída, nos termos do art. 9º do Decreto-Lei.
Diante disso, o art. 26 da Lei 12.810/2013, estatui que, tanto as referidas garantias como eventuais ônus ou gravames sobre a cédula de crédito rural escritural deverão ser constituídas nos sistemas eletrônicos do depositário central ou da entidade registradora, para fins de publicidade e eficácia perante terceiros.
Ademais, faz-se mister lembrar que a Lei do Agro manteve a exigência de registro das eventuais garantias reais das cédulas de crédito rural no Cartório de Registro de Imóveis competente.
Para efetuar tal registro, será utilizada a certidão de inteiro teor da cédula, expedida pela instituição financeira escrituradora, conforme art. 10-A do Decreto-Lei, em que constarão todas as informações necessárias para o registro da garantia no dito cartório.
Por isso, o art. 6º, § 2º da Circular dispõe que a referida certidão deverá conter todos os dados necessários tanto para a sua constituição no sistema do depositário central ou da entidade registradora, conforme aplicável, quanto para o supracitado registro no Cartório de Registro de Imóveis.
Observo que a certidão de inteiro teor da cédula de crédito rural escritural também poderá ser emitida por meio eletrônico, com assinatura eletrônica conforme art. 5º, parágrafo único, da Circular.
3 – Da execução dos títulos de crédito rural
3.1 – Da execução judicial dos títulos de crédito rural cartular
A ação típica para cobrança dos títulos de crédito rural é a ação de execução. De quantia certa, quanto aos títulos que consignarem o pagamento em dinheiro, e de entrega de coisa certa, na execução da cédula de produto rural, eis que seu objeto é a entrega de produto rural.
Como independem de protesto para constituição em mora, esses títulos se tornam exigíveis após o vencimento, ou antecipadamente, pelo inadimplemento de condição legal ou contratual do devedor ou do terceiro garante.
De força executiva, o título de crédito rural propriamente dito (cédula rural pignoratícia, cédula rural hipotecária, cédula rural pignoratícia e hipotecária e a nota de crédito rural) necessita de liquidez, quanto aos valores pretendidos, e de certeza, quanto aos encargos acessórios que acompanham o próprio empréstimo de dinheiro. E condição de liquidez não se verifica pela tão-só anexação de extrato bancário onde se discriminem apenas os valores devidos e as datas de seus lançamentos. Há necessidade de que a discriminação de cada parcela cobrada seja completa, com a menção, por exemplo, do índice de correção monetária aplicado, o percentual de juros remuneratórios, moratórios ou de multa incidente sobre a dívida. Por outro lado, o requisito de certeza, quanto à cobrança da comissão de fiscalização, por exemplo, se consolida com a apresentação dos demonstrativos que provem a efetividade da fiscalização na atividade rural objeto do empréstimo de dinheiro ao campo. No caso de outras despesas, com os documentos que as demonstrem.
A necessidade de descrição completa dos elementos que incidiram sobre as parcelas líquidas cobradas, e prova das despesas realizadas, se impõe em cumprimento aos princípios constitucionais que asseguram, mesmo ao devedor, o respeito ao devido processo legal e ao direito de ampla defesa. Assim, não fornecendo o credor todos os dados de como chegou ao montante pretendido, a via processual é indevida e ilegal, e o devedor teve obstruído, logo no início, seu direito de defesa.
Como a força coativa da penhora sobre os bens do devedor decorre da estrutura formalmente perfeita do crédito, que por isso mesmo é protegido pelo Estado-Judiciário, penso que é salutar que o juiz, ao receber uma inicial de ação de execução, examine a existência da efetiva liquidez da dívida em execução, e a certeza, através de outros documentos, das despesas pretendidas pelo credor. A providência é salutar, pois o Poder Judiciário colocará toda a sua força de mando em proteção do crédito que, por óbvio, precisará estar bem constituído, ou a coação pela penhora se transformará em ato ilegal. A providência judicial a ser determinada poderá se constituir na apresentação pelo credor dos dados necessários para permitir de forma matemática a perfeição dos valores cobrados. Ou no caso de despesas, a juntada de documentos que provem a sua realização.
O não-atendimento da diligência judicial pelo credor poderá ensejar a extinção da ação de execução.
Estando em condições a inicial de execução do título de crédito rural cartular, a penhora deverá recair sobre bens que lhe serviram de garantia através do penhor ou da hipoteca, eis que a finalidade executiva da existência desses garantes é exatamente essa. A penhora imotivada sobre outros bens, de forma cumulativa ou mesmo isolada, pode caracterizar excesso de penhora passível de reparo oficial pelo juiz, ou por provocação do devedor, antes mesmo da fluição do prazo de defesa. Sua alegação deve ser considerada um mero incidente na execução.
Questão interessante pode ocorrer na existência de cumulação de garantias reais e pessoais, como por exemplo, no caso da execução da cédula rural pignoratícia também garantida por aval. Embora essa última garantia tenha contornos e autonomia própria, todavia ela deve ser analisada dentro do contexto do crédito rural. Portanto, a existência do penhor e a sua condição natural de já servir de garante impõe a preferência da penhora. Caso contrário, se os bens do avalista fossem os penhorados, incidiria sobre uma mesma dívida uma duplicidade de garantia e poderia se constituir num verdadeiro abuso de direito. Ademais, o devedor continuaria indevidamente na condição de depositário fiel, sem qualquer razão jurídica para tanto, uma vez que esse compromisso acessório não é indefinido, pois seu limite é o pagamento da dívida. A lógica indica que, neste caso, a solidariedade do aval é meramente sucessiva. O avalista pode, nessa circunstância, intervir no processo, antes mesmo do prazo de embargos, para
3.2 – Da execução judicial dos títulos de crédito rural escritural
Inexistindo título físico, a certidão de inteiro teor será utilizada tanto para fins de protesto do título de crédito rural escritural por falta de pagamento, quanto para sua execução judicial.
Caso o cartório possua sistema eletrônico compatível para interação com o sistema da instituição financeira escrituradora, para fins de registro de garantias ou de protesto do título, não será necessário que o interessado na prática desses atos imprima a referida certidão e compareça ao cartório.
Bastará a transferência das informações necessárias entre o sistema da escrituradora e do cartório para efetivar o registro da garantia ou o protesto do título.
No que tange à propositura da ação de execução judicial da cédula de crédito rural escritural, por ausência de previsão legal que permita possa uma inicial ter como requisito a tão só indicação de interconexão entre o sistema do Poder Judiciário e o sistema eletrônico de escrituração da instituição financeira responsável, de modo a possibilitar a transferência para o processo eletrônico das informações concernentes à cédula de crédito rural escritural necessárias para o protocolo de ação de execução de título extrajudicial, a certidão formal de sua existência se torna necessária.
Portanto, repito, a certidão eletrônica de inteiro teor da cédula deverá ser anexada ao processo eletrônico, com vistas a iniciar a ação de execução de título executivo extrajudicial, considerando que, de acordo com o art. 11, caput da Lei nº 11.419, de 19 de dezembro de 2006, os documentos eletrônicos juntados ao processo, com garantia de origem e de seu signatário, serão considerados originais para todos os efeitos legais.
Por fim, não se pode esquecer que, mesmo que a estrutura formal da cédula de crédito rural escritural esteja perfeita, ela pode trazer vícios materiais por desrespeito às peculiaridades do crédito rural e com isso se tornar imprestável para ensejar uma ação de execução.
Referências:
1.1. Do conceito: Parte do que vai agora escrito se encontra em BARROS, Wellington Pacheco. CURSO DE DIREITO AGRÁRIO, volume 1, LIVRARIA DO ADVOGADO EDITORA, Porto Alegre, 2008, capítulos 12 e 13.
1.4. Da exegese do crédito rural: Um rápido divagar sobre a interpretação do direito:
Uma das questões ainda não bem consolidada na doutrina e na jurisprudência é a utilização com mais profundidade de princípios criados pela hermenêutica jurídica, ciência propedêutica de grande valia para a melhor compreensão do direito. Isto tudo porque se fixou como quase natural a ideia de satisfação absoluta da lei. Por conseguinte, poder perquirir-se outras formas de aplicação do direito foi deixado quase na inércia. Partiu-se, assim, para a máxima um tanto corrosiva de limitação da liberdade jurídica sob o manto de que legislar é sempre preciso. O doutrinador ou o Juiz, por esse prisma, passaram de intérpretes do direito, que sempre foram, para seres meramente autômatos, pois decodificar leis se tornou seus limites.
Todavia, como vejo o direito na ótica de um mundo dentro de um macrocosmo social, onde a lei é tão-somente um seu satélite, e não o próprio mundo, tenho que a ciência da hermenêutica jurídica é de ser utilizada para uma boa compreensão do direito positivo nesta ótica maior. Assim, esta ciência estabelece que além dos métodos de interpretação conhecidos (gramatical, teleológico, histórico e dogmático), é possível utilizar-se, mesmo no Brasil que, por razões políticas, prima pelo legalismo ou o dogma de que somente o Legislativo pode dizer o direito, do método sociológico de interpretação. Ou, em outras palavras, o método que busca adequar o direito legislado a uma carência ou necessidade social, quer através de leis criadas exatamente com este rumo, quer através de uma exegese mais aberta. Tanto é verdade que quando se afirma, sem a devida profundidade dos antecedentes doutrinários, que o direito é um fato social, evidentemente se está buscando o elemento sociológico para interpretar a norma positivada sem se saber. O direito como meio de previsão e resolução de conflitos é um produto social. Nasce e tem vida no querer social. Não existe direito numa sociedade democrática que não conflite, mesmo porque não existe sociedade sem conflito, pois este representa o jogo de interesse. Ou o que se vê não é direito. É um não-direito.
Feita esta introdução, no sentido de se estabelecer que é possível a utilização da interpretação sociológica mesmo que tenha o legislador buscado a titulação absoluta do direito no país, passo a analisar o contexto em que se situa a temática de crédito rural.
Quem observa o direito de fora dele sabe que qualquer dos seus ramos não é uma ilha. Todos eles, com maior ou menor intensidade, se intercomunicam. No entanto, este ou aquele ramo têm suas características próprias que os tornam, por isso mesmo, independentes ou autônomos. Coloco como exemplos o direito civil e o direito do trabalho. A sistemática do primeiro é da autonomia de vontade. A vontade humana com seus direitos e deveres é que dá ao direito civil aquela característica que o torna diferente e independente. A liberdade individual é o centro a proteger. Tanto é verdade que ele se insere no rol dos direitos privados. No que pertence aos contratos, essa vontade é tão vinculante que só excepcionalmente é admitida a ruptura. O que o homem contrata é lei, porque está em jogo sua vontade, que junto à vontade de alguém, cria uma corrente difícil de ser rompida. Já o direito do trabalho tem característica completamente diferenciada. Assim, embora tenha como relevância também o trato interpessoal, especificamente nas relações contratuais, o faz diferente, e aí se tem o quase total dirigismo estatal de seus preceitos. Melhor dizendo, o predomínio da vontade das partes do direito civil cede diante da tutela do Estado. Aqui elas não se estabelecem condições, nem se impõem leis pessoais. Estas são ditadas de forma imperativa e cogencial pelo estado legislador, uma vez que o sistema de proteção é o social. Isto faz surgir um fator de importância transcendental para a boa interpretação destes dois direitos, pois o conflito que daí surge pode merecer uma ou outra ótica de conclusão exegética. Dessa forma, se o contrato foi feito sob a égide do direito civil, tem-se que a exegese deve pender pela autonomia de vontade ou no sentido de que as partes são plenamente livres para pactuarem o que não for ilícito; portanto, o que fizeram, deve ser respeitado. Mas, se foi ele elaborado sob o mando do Direito do Trabalho, a vontade das partes deve ficar subsumida na vontade do Estado, pois para tal ramo do Direito predomina o dirigismo estatal, que se tem como superior em nome da proteção social. Explicando: as partes não podem se estabelecer condições contratuais. Estas são preestabelecidas pelo Estado, pois em tal sistema entende ele ser necessário para estabilizar tal tipo de relações. A premissa básica aí residente é de que o trabalho não tem força para se opor ao capital, estando no campo das relações humanas sempre subjugado. Portanto, a presença do Estado com suas leis mais cogentes e de proteção ao trabalho se constituiria no contrapeso para o atingimento de uma verdadeira justiça social. é a teoria da igualdade já exaltada por Rui Barbosa no início do século: a de se aquinhoar desigualmente os desiguais na medida em que se desigualam. é o que também se chama de justiça social.
Se não se faz esta separação de sistemas, confusão pode vir a existir quando se tentar impor regras de um no outro, pois isto cria um hibridismo de difícil conciliação, uma vez que eles protegem planos jurídicos diametralmente opostos. Um, o indivíduo; o outro, o grupo social mais fraco.
Wellington Pacheco Barros
ÁREAS DE ATUAÇÃO
Agrário • Ambiental • Administrativo • Parecerista jurídico