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5 de julho de 2024Sumário
I – Das razões do artigo
II – Da inteligência dos contratos agrários
III – Da ideia básica do que seja desapropriação
IV – Da alienação do imóvel rural e a continuidade do contrato agrário
V – Da desapropriação como forma de extinção do contrato agrário
I – Das razões do artigo
Nos últimos anos, tenho procurado escrever artigos sobre Direito Agrário e Ambiental envolvendo matérias recorrentes nas relações rurais, mas ausentes na previsão legal. Dois desses artigos, entre vários outros, foram “Da nulidade na novação do Crédito Rural” e “A APP e a Reserva Legal como Limitações Administrativas ao Uso e à Posse Dos Contratos Agrários”, publicados no site direitoagrário.com, respectivamente em 06.02.2022 e 13.10.2023, que tiveram grande repercussão no meio jurídico.
Assim, com a experiência adquirida nos longos anos de magistério universitário; de magistratura; de produção literária e agora na advocacia, aprendi que qualquer dispositivo jurídico deve ser interpretado tomando-se por base o momento fático em que foi criado e a dimensão de sua destinação.
Diante disso, penso que, antes de fixar os caminhos que levam a desapropriação a extinguir os contratos agrários e traçar suas possíveis consequências, é sempre bom lembrar que o direito existe para pautar o comportamento individual na sua vida em sociedade. Porém a realidade nos diz que este direito na forma que é preconizado pela moldura legal é sempre insuficiente.
Sim, o direito legislado é sempre insuficiente! As relações humanas estão sempre se modificando e deixando o direito posto para trás.
No Brasil, ele não surge de forma natural como comportamento costumeiro aceito pela comunidade. Ele é um produto imposto pelo Estado e se materializa através de leis em sentido lato.
Evidentemente que, além de insuficiente, sua forma de validação através do pouco conhecido “diário oficial”, dificulta seu conhecimento. Em verdade, a sua divulgação, além da oralidade da sala de aula, palestras e conferências, ocorre através do livro impresso em papel, que, embora ainda exista, vem perdendo sua exclusividade para a publicação online.
A “socialização” do direito brasileiro legislado através dessa forma de mídia vem permitindo que artigos jurídicos, que sofriam limitações para impressão física pelo retorno ínfimo para as editoras, possam ser publicados através de sites jurídicos. Com essa consciência e parafraseando o poeta baiano Castro Alves, concluo que o “direito é do Povo, como o céu é do Condor”. Portanto, a primeira ideia deste artigo é a de que ele possa ser publicado na mídia social e com isso atinja um universo maior do que aquele proporcionado pelas não lidas publicações oficiais e pelo caro livro físico, pois é conhecida a penetração massiva que a internet proporciona.
Com este propósito penso que é sempre importante que se retorne à estrutura básica do direito e com isso os não iniciados na ciência jurídica tenham condições de entender o que se aborda. Isso porque sendo o direito brasileiro essencialmente legislado, o que a lei não dispuser, os princípios gerais que norteiam a ciência jurídica podem supri-lo.
II – Da inteligência dos contratos agrários
Estabelecido que no Brasil o direito é aquele que a lei diz que é, o ponto agora é fixar a estrutura da legislação que criou os contratos agrários para, depois, estabelecer quais as consequências que estes sofrem com a intervenção do Estado através desapropriação.
Para começo de conversa, abstraindo a discussão política sobre se o Estado é ou não necessário ou sobre a legitimidade do hiato democrático ocorrido na década de 1960, mas apenas cingindo o estudo na legislação que emergiu desse contexto e que aí está, é possível concluir que a história dos contratos agrários tem início com a entrada em vigor do Estatuto da Terra há 60 anos (1964).
Antes, as relações agrárias eram geridas pelo Código Civil de 1916. E a nova disposição legal retirou das partes muito daquilo que a lei civil pressupunha como liberdade de contratar. Substituiu, portanto, a autonomia de vontade pelo dirigismo estatal. Ou seja, o Estado passou a dirigir as vontades das partes nos contratos que tivessem por objeto o uso ou posse temporária do imóvel rural. A ideia implantada pelo legislador residiu na admissão de que o proprietário rural impunha sua vontade ao homem que utilizasse suas terras de forma remunerada. E essa imposição sub-reptícia retirava deste último a liberdade de contratação, pois ele apenas aderia à vontade maior do proprietário. A figura interventora do Estado era, assim, necessária para desigualar essa desigualdade, com uma legislação imperativa, porém de cunho mais protetivo àquele naturalmente desprotegido.
Em outra perspectiva, é possível também concluir do estudo que se faça do tema, que os contratos agrários surgiram com uma conotação visível de justiça social tanto que pela primeira vez especificaram os requisitos do princípio constitucional da Função Social da Propriedade e que na análise integrada de seus dispositivos nitidamente se observa a proteção contratual da maioria eleita como desprivilegiada, a detentora do trabalho e que vem possuir temporariamente a terra de forma onerosa, em detrimento da minoria privilegiada, os proprietários ou possuidores rurais permanentes. Durante muito tempo, o estudo sobre os contratos se estruturou na visão exclusiva da ciência jurídica, e não poderia ser diferente, já que é um dos seus mais importantes institutos, embora resistente a mudanças. Dessa forma, a preocupação com sua origem romana sempre foi a base de iniciação de qualquer comentário que procurasse demonstrar uma teoria a seu respeito.
Mas, nos tempos modernos, diante da conclusão insuspeita de que o direito não é uma ilha, já que cresce e se moderniza através de influências externas geradas pelas relações sociais, é que se buscou alargar o campo de sua abrangência através de estudos correlatos desenvolvidos por ciências propedêuticas importantes no desenvolvimento dessa típica ciência do comportamento, como a política e a sociologia jurídica. Portanto, detectou-se que o contrato, como todo direito, sofria influências e influenciava outros pensamentos catalogados. É dentro dessa nova visão que se traçaram linhas de investigação no sentido de estabelecer como questionamento fundamental, por exemplo, qual seria a verdadeira gênese da relação contratual.
E isto se operou através do que passou a se chamar Lei de Maine, em homenagem a Sir Henry Summer Maine, sociológico jurídico inglês, que sustentou, no auge da escalada das ideias socialistas, que a lei do patriarca, do chefe, preponderava sobre a liberdade individual de contratar, na tentativa de demonstrar que os contratos desde a sua origem sempre foram dirigidos por um tercius e não seriam produtos exclusivos da vontade dos contratantes.
Essa introdução, portanto, já deixa antever que o estudo do contrato não se exaure nas lindes do direito. Sua importância nas relações sociais e na organização do Estado moderno é inquestionável. Dessa forma, ao procurar-se estabelecer os rumos da evolução dos contratos não se pode abandonar aquilo que se consubstanciou como origem clássica desse instituto jurídico, mas, de outro lado, não se pode olvidar que circunstâncias novas produzem importantes reflexos no instituto.
O Estatuto da Terra trouxe uma ideia radical de mudança na estrutura do campo. Assim, não se limitou ele tão-somente a distribuir terras pelo sistema de reforma agrária, a tributar mais rigorosamente as propriedades improdutivas ou a colonizar áreas inexploradas. Procurou também regrar as relações contratuais advindas com o uso ou posse dessas terras. A ideia política traduzida para o direito consistiu na imposição de um sistema fundiário.
Contratos agrários na perspectiva do legislador envolve o uso e a posse efetiva da terra por terceiro através do contrato de arrendamento e de parceria rural. Naquele, o arrendatário paga uma quantia fixa em dinheiro para ter a posse do imóvel por determinado tempo tendo por objeto uma atividade produtiva rural. E neste, o parceiro-outorgado usa a terra e divide com o parceiro-outorgante o resultado de uma atividade produtiva rural, através de percentuais fixados por lei.
III – Da ideia básica do que seja desapropriação
Fixada a real dimensão dos contratos agrários, passo agora a analisar o que se pode entender por desapropriação. O tema é complexo e aqui serão considerados tão só os requisitos básicos para vinculá-la ao que se quer demonstrar, que é como causa de extinção dos contratos agrários.
A desapropriação é um instituto de direito público que pode ser analisado em duas perspectivas jurídicas diferentes: (a) como forma de intervenção na propriedade privada e (b) como poder do Estado de nela intervir.
Este artigo procurará demonstrar os efeitos que esta desapropriação pode causar sobre o imóvel rural cedido de forma temporária através dos contratos agrários.
O Art. 5º, inciso XXIV, da Constituição Federal define que:
A lei estabelecerá o procedimento para a desapropriação por necessidade ou utilidade pública, ou por interesse social, mediante justa e prévia indenização em dinheiro, ressalva os casos previstos nesta constituição.
A regra constitucional acima remete à lei o estabelecimento dos procedimentos para a desapropriação. Em verdade, para fins de utilidade e necessidade pública, não há uma lei propriamente dita, tem-se um Decreto-Lei, de número 3.365/41, expedido à época de Getúlio Vargas e recepcionado pela Constituição de 1988.
Já para a desapropriação por interesse social para fins de reforma agrária há a Lei Complementar nº 76/96, e para reforma urbana, a Lei Federal nº 10.257/01, o chamado “Estatuto da Cidade”.
A própria Carta Constitucional previu os requisitos essenciais para a desapropriação no Art. 5º, inciso XXIV:
1 – Indenização prévia: significa que o ente expropriante deve pagar pelo valor real do bem antes de exercer o domínio e a posse sobre ele;
2 – Indenização justa: é a quantia representada pelo valor real e integral do bem, devidamente atualizado;
3 – Indenização em dinheiro ou títulos públicos: é o valor dado em espécie. Os títulos referidos são os da dívida agrária ou títulos da dívida pública (raro). O STF já se manifestou acerca da vigência e validade da concessão de tal “moeda de pagamento”. (Recurso Extraordinário nº 168110). Os títulos aqui referidos são aplicados à desapropriação por interesse social.
Questão que tem sido discutida de forma incisiva na jurisprudência diz respeito ao momento que se deve considerar a indenização prévia. O STF tem entendido que o depósito prévio necessário para a garantia de juízo e consequente imissão de posse não é sinônimo de indenização prévia, daí porque a exigência de perícia prévia para definição do valor a ser depositado tem sido afastada, sob o fundamento que a indenização prévia somente será apurada na instrução e decidida pela sentença.
Penso, no entanto, que isso não outorga ao poder público a discricionariedade de depositar o que bem entender, já que, por força do princípio de responsabilidade fiscal, não se pode constituir dívidas sem a respectiva correspondência previsão orçamentária. Ou seja, como para desapropriar o poder público tem que ter previsão orçamentária, o depósito deve corresponder a essa previsão. Depositar a menor é ferir a regra orçamentária praticando típica ilegalidade.
Assim, depósitos simbólicos, por ferir o princípio da legalidade, devem ser controlados pelo Poder Judiciário.
Como já antevisto, a intervenção estatal pela desapropriação não tem modalidade única. Existem três modalidades de desapropriação: por utilidade pública; por necessidade pública e por interesse social.
1 – Desapropriação por utilidade pública: o fim concreto vem a ser um aumento na qualidade de vida da coletividade. Nada há falar-se no aspecto de sobrevivência da coletividade. O Art. 5º do Decreto-Lei nº 3.365/41 elenca os casos de utilidade pública. Ex.: salubridade pública (construção de um hospital) e assistência pública (construção de uma escola).
2 – Desapropriação por necessidade pública: Como o próprio nome deixa antever e a desapropriação necessária e por isso relacionada com a própria sobrevivência da sociedade.
3 – Desapropriação por interesse social: Existem duas modalidades de desapropriação por interesse social: (a) para fins de reforma agrária (Art. 184 da CF, Lei Complementar nº 76/96 e Lei nº 8.629/93) cujo processo será tratado na aula seguinte e (b) para fins urbanos (Art. 182 e seguintes da CF e Lei nº 10.257/2001, sem edição da lei processual expropriatória) – que é mais nítida ainda a ideia de função social da propriedade. Esta tem a ver com a reestruturação de localidades urbanas para melhora da qualidade de vida, até mesmo de moradia (Lei nº 4.132/62).
Questão de relevo nesse estudo é da impossibilidade de haver desapropriação em favor de terceiros. Por óbvio, a desapropriação tem que atender ao interesse público a que se destinou. Nesse passo, há uma vedação do Poder Público desapropriar bem particular em prol de outro particular.
A tese é oriunda de construção pretoriana. Resta evidente que a proibição decorre de quando esta destinação a terceiros não se voltar à satisfação do interesse público. Se a entrega do bem a terceiro for paralela ao interesse público, por outro lado, não haverá desvio de finalidade na desapropriação, reputando-se legítima.
No que tange à competência para emitir o decreto expropriatório, depende da modalidade de desapropriação.
Quando for de utilidade ou necessidade pública, quem pode emitir é o Presidente da República, no âmbito de suas atribuições; o Governador do Estado e o Prefeito Municipal dentro das limitações que suas competências impõem.
Quando há interesse social, depende. Se for para fins de reforma agrária, o Presidente da República, permitida delegação desta competência a algumas autoridades do INCRA. Com finalidade urbanística, é o Prefeito Municipal e, excepcionalmente, o Governador, no caso de questão habitacional na região metropolitana.
IV – Da alienação do imóvel rural e a continuidade do contrato agrário
Os contratos agrários têm suas especificidades tópicas bem delineadas como já se viu no tópico II deste artigo, e entre elas, a que trata da alienação do imóvel rural objeto do contrato.
Qualquer modificação que ocorra na titularidade do imóvel arrendado ou cedido em parceira, resultante de alienação, não prejudicará o contrato agrário. O novo titular se subsume na condição de arrendador ou parceiro-outorgante no contrato agrário. No caso de venda de um imóvel arrendado, por exemplo, o comprador assumirá a condição de arrendador no pacto firmado por seu antecessor.
A situação de imutabilidade contratual também se verificará na circunstância de incidência de ônus real sobre o imóvel. É o caso de ocorrência de hipoteca sobre um imóvel cedido em parceria. Este ônus real não afetará o contrato agrário.
O Art. 92, § 5º, do Estatuto da Terra e o Art. 15 do Decreto nº 59.566/66 dão lastro legal a esta interpretação.
O direito de preferência do arrendatário na alienação do imóvel rural arrendado será caracterizado nos arts. 92, §§ 3º e 4º, do Estatuto da Terra, e 45 do Decreto nº 59.566/66.
Dúvida poderia haver quanto à aplicação desse direito ao contrato de parceria. Inicialmente, coloco que a previsão da preferência do arrendatário na alienação do imóvel arrendado se encontra nas disposições gerais inerentes aos contratos, tanto de arrendamento, como de parceria, como se observa nos demais parágrafos do Art. 92, o que dá ideia da aplicação comum do instituto. Não bastasse, inexiste qualquer conflito entre a preferência e o contrato de parceria, o que, nos termos do Art. 34 do Decreto nº 59.566/66, significa sua plena aplicação. Por fim, é do sistema dos contratos de sociedade de pessoas, como se assemelha a parceria, a preferência do sócio que fica pelos direitos existentes na sociedade do sócio que se retira, consoante dizia o revogado Art. 334 do Código Comercial Brasileiro e diz o Art. 1.003, do Código Civil.
Superada a dúvida, é de se colocar que a preferência surge para o arrendatário ou parceiro-outorgado no momento que o arrendador ou parceiro-outorgante pretende alienar o bem objeto do contrato agrário.
É uma restrição ao seu direito de propriedade, pois a disposição da coisa fica condicionada à aceitação de uma pessoa certa. Pouco importa a existência, por exemplo, de animosidade entre as partes contratantes, a oferta tem que ser feita para que a venda do bem imóvel rural seja perfeita.
O arrendatário ou parceiro-outorgado não leva qualquer vantagem na aquisição preferencialmente do imóvel rural. Seu direito se restringe à possibilidade de adquirir o bem existindo iguais condições de ofertas de preço. Portanto, se os estranhos ao contrato rural oferecerem 100, sendo também esta a proposta do arrendatário ou parceiro-outorgado, surge para ele o direito de preferir aos demais na compra do imóvel rural e a obrigação do arrendador ou parceiro-outorgante de lhes vender o bem.
O arrendador ou parceiro-outorgado deve comunicar a intenção de venda e as ofertas recebidas 30 (trinta) dias antes de realizá-la, mediante notificação judicial ou qualquer outra forma que possa demonstrar a ciência do arrendatário ou parceiro-outorgado interessado, como o Aviso de Recebimento dos correios.
Todavia, se não houver notificação, ou ainda se ela se operou de forma viciada, como fora do trintídio ou com dúvida de recebimento, surge para o arrendatário ou parceiro-outorgado a possibilidade de exercitar o seu direito de preferência, também conhecido como direito de preempção ou de adjudicação compulsória. A lei estabeleceu o prazo de 6 (seis) meses para o efetivo exercício desse direito, fixando seu início na data de transcrição da escritura de compra e venda no Registro de Imóveis, decorrido o qual a venda embora inicialmente viciada se consolida.
Questão interessante pode surgir se a escritura de compra e venda foi firmada quando estava em vigor o contrato agrário e somente registrada após sua terminação. Como fica evidente que o registro posterior ocorreu com claro intuito de prejudicar o detentor do direito de preferência, constituindo-se essa omissão velada em ato jurídico anulável, mais precisamente simulação, tenho que, mesmo não mais vigendo o contrato agrário, é possível ao arrendatário ou ao parceiro outorgado beneficiar-se do direito de preferência no prazo de arguição de todo ato anulável, ou seja, em até 4 (quatro) anos, conforme disposto no Art. 178, § 9º, inciso V, letra b, do Código Civil. Como existe um prazo peremptório de 6 (seis) meses para a consolidação da venda, contado da data da transcrição do imóvel rural no Registro de Imóveis, a arguição do vício de simulação tem nesta data seu limite máximo.
Como já disse acima, o arrendatário ou parceiro-outorgado não adquire qualquer vantagem econômica na venda do imóvel rural a terceiro pelo arrendador ou parceiro-outorgante. Seu direito se exaure em poder adquiri-lo. Portanto, na ação de preempção, preferência ou de adjudicação compulsória que deverá ajuizar para o exercício efetivo desse direito, o depósito do preço é condição essencial de recebimento de seu pedido.
O preço que deverá depositar é integrado do valor constante na escritura de compra e venda firmada entre o arrendador ou parceiro-outorgante e o terceiro, devidamente corrigido, acrescido de juros legais e as despesas da venda, como as de pagamento de impostos, comissão de corretagem e gastos com a própria escritura. O valor depositado se constituirá na parcela a ser devolvida ao terceiro.
A ação de preempção, preferência ou adjudicação compulsória é de rito ordinário e deverá necessariamente trazer no seu polo passivo o ou parceiro-outorgante e o terceiro, pois seu universo de abrangência é de verdadeira cumulação de pedidos. Isso porque, no primeiro momento, ela desconstituirá a venda efetuada entre o arrendador ou parceiro-outorgante e o terceiro e, no segundo momento, a constituirá agora entre aqueles e o autor da ação. O Ministério Público será cientificado do feito.
V – Da desapropriação como forma de extinção do contrato agrário
O Estatuto da Terra não especificou diretamente as causas de extinção do arrendamento e da parceria rural. Respectivamente no Art. 95, inciso XI, letra “d”, e no Art. 96, inciso V, letra “d”, determinou que isso fosse fixado pelo regulamento. Ou seja, o decreto, que no conceito do direito administrativo é um ato administrativo, passou a ter função de lei delegada. Em outras palavras, o legislador não disse, mas determinou que o Poder Executivo dissesse.
E o Art. 26, do Decreto nº 56.566/66, estabeleceu que a desapropriação é uma das formas de extinção do contrato de arrendamento, nestes termos:
Art. 26. O arrendamento se extingue:
IX – Pela desapropriação, parcial ou total, do imóvel rural.
E o Art. 34 desse mesmo decreto estende esta disposição à parceria rural, quando diz que são aplicadas as normas da Seção II, do Capítulo II, que trata dos contratos agrários, que é exatamente a que trata do arrendamento rural:
Art. 34. Aplicam-se à parceria, em qualquer de suas espécies previstas no art. 5º deste Regulamento, as normas da seção II, deste Capítulo, no que couber, bem como as regras do contrato de sociedade, no que não estiver regulado pelo Estatuto da Terra.
Portanto, é possível se afirmar que a desapropriação extingue o contrato agrário!
E o que é importante frisar, mesmo que ela seja parcial!
Não custa relembrar que extinção de um contrato é o término do vínculo contratual entre as partes envolvidas. Existem várias modalidades de extinção: a normal, que ocorre com o cumprimento das prestações avençadas, ou ainda, com o termo final nos contratos de trato sucessivo. Nesta situação não há dúvida quanto ao término do vínculo, já que, conforme explicita Orlando Gomes, tem-se “a morte natural do contrato”. O contrato agrário também se extingue pela resolução, pela resilição e pela rescisão. Estas situações envolvem ações tópicas das partes contratantes. É de se observar que a extinção pela desapropriação é uma modalidade própria de extinção em que não há qualquer intervenção dos contratantes.
Assim, não custa lembrar que a desapropriação, qualquer quer seja ela, se caracteriza pela intervenção do Estado na propriedade privada. Em outras palavras, é a retirada do bem imóvel privado para que ele tenha uma destinação pública. Diante disso, entre o confronto de princípios, prepondera o princípio que visa a proteção coletiva, social.
Mas a desapropriação cria obrigações para o poder expropriante.
A primeira delas tem cunho constitucional e diz respeito com a indenização prévia, de onde o depósito prévio garantia processual que possibilita a imissão de posse no imóvel pelo poder público.
Isso porque o ato administrativo exarando a manifestação de vontade pública para desapropriar o bem imóvel privado não é auto executável. Ele está condicionado à indenização prévia que poderá ser feito por acordo administrativo ou, havendo recusa, através de ação de desapropriação.
Como a desapropriação transfere para o poder público o domínio e a posse do imóvel, por consequência, a indenização a ser feita corresponderá a estes elementos.
Concentrando o proprietário a propriedade e a posse a indenização a ser feita não sofrerá percalços maiores, salvo a questão envolvendo o valor justo a indenizar.
Dúvidas surgirão se o imóvel rural estiver na posse (titulação do arrendamento) ou no uso (titulação da parceria) resultante do contrato agrário.
É sabido que no âmbito administrativo, a intensão de desapropriar não emerge de uma hora para outra. Ele se origina em um processo administrativo onde deverá ficar exposto os motivos para a desapropriação, especialmente se há previsão orçamentária para tal. Dessa forma, ao estabelecer os preâmbulos desapropriatórios, a administração pública, por óbvio, tomará conhecimento de que a posse ou o uso do imóvel está com terceiro arrendatário ou parceiro-outorgado. Por conseguinte, embora não possa qualquer um deles, se opor à retirada de sua posse ou de seu uso, dependendo da situação, eles poderão ter legítimo interesse na indenização.
Assim, se o parceiro-outorgado ou arrendatário construiu benfeitorias passíveis de indenização, evidentemente que a indenização correspondente não deverá ser paga ao proprietário, mas sim a quem a edificou.
A indenização ainda deverá englobar os prejuízos que os titulares da posse e do uso do imóvel rural tiverem com a imediata imissão de posse.
Dessa forma, se a imissão de posse ocorrer durante o período de formação da lavoura ou de engorda de animais, por exemplo, a indenização abrangerá os gastos feitos para o exercício da atividade rural e os possíveis lucros que essa atividade proporcionaria, neste caso tomando-se por base o resultado da última safra ou, no caso de seca ou enchente, a da safra normal.
Questão importante é a que diz respeito com o tempo restante do contrato entre a extinção pela desapropriação e a data de terminação prevista no contrato agrário.
Naturalmente que ele abrangerá o montante a ser indenizado.
É aplicável a teoria da perda de uma chance, surgida no direito francês no final do século XIX (la perte d’une chance) e adotada no início do século XX na Itália, na Inglaterra e nos EUA. Foi adotada no direito brasileiro e teve no Ministro do STJ Ruy Rosado de Aguiar Junior seu introdutor e defensor. A teoria considera que aquele que, intencionalmente ou não, retira de outra pessoa a oportunidade de um dado benefício, responde por isso. O prazo de terminação do contrato agrário fixado no contrato e a sua ruptura pela desapropriação consolidam a prova para a aplicação da teoria.
Em geral, os contratos agrários escritos devem prever esta circunstância.
Não prevendo, como a desapropriação vai extinguir a chance de ganhos do arrendatário ou do parceiro-outorgado no período faltante do contrato agrário, penso que a indenização por essa extinção deverá corresponder ao lucro obtido na última safra normal.
Como a vistoria para identificação completa do imóvel rural vai indicar o terceiro possuidor ou usuário do bem, havendo necessidade de interposição da ação de desapropriação com pedido de imissão de posse o arrendatário ou parceiro-outorgado deverá integrar o polo passivo do processo e o depósito prévio deverá também ser feito em seu nome e no valor proporcional aos seus direitos, bem assim a indenização correspondente.
Por fim, a indenização deve considerar tão só o contrato agrário existente. O argumento de que o imóvel sempre foi objeto de contrato agrário e, portanto, após o termino do contrato novo contrato seria entabulado, não é argumento válido para aplicação da teoria da perda de uma chance em benefício do proprietário do imóvel ou do arrendatário ou parceiro-outorgado.
Wellington Pacheco Barros
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