WBA O direito é ou deve ser?

O Direito “É” ou “DEVE SER”?

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Quando a estrutura econômica da nação passa por uma metamorfose completa através da ação do Estado, que se utiliza do Direito como instrumento do seu agir, há que se repensar sobre os laços históricos de tal ação.

Inicialmente, é de se perguntar: o Direito existe em estado puro porque resultante do fato social ou ele decorre essencialmente do dirigismo legislativo do Estado? Portanto, o Direito é ou deve ser?

O movimento ideológico que procurou fechar o Direito nos limites da lei, no conceito do dever ser, e que posteriormente passou a ser chamado de positivismo ou na sua vertente de gosto bem nacional de legalismo, e que tinha por objeto dar a essa ciência status de perfeição autonomista, encontra indícios na escola epicurista, que centrava o dogma de que somente a prática da virtude e a cultura do espírito podiam levar o homem a encontrar o bem soberano, o prazer. Todavia, somente depois do século XVIII é que surgiu com o Renascimento a tentativa nos novos tempos de se estabelecer uma divisão entre as leis físicas e as leis normativas. Era, dessa forma, a busca de se afastar absolutamente do conceito de lei aquilo que era algo integrativo de um direito natural muito vinculado à divindade. O positivismo, portanto, deitava raízes.

O movimento tomou vulto na Inglaterra, inspirado nos princípios céticos formulados por Descartes e foi impulsionado por John Lock, cabendo, porém, a David Hume a importante contribuição de sublinhar a existência de dois domínios de inquérito humano. Um deles, no campo dos fatos, que se ocuparia do fato como ele realmente era, e o outro, no campo do dever ser, ou seja, como o fato deveria ser. Assim, a discussão sobre o que é e o que deve ser colocou logo em dúvida a postura do Direito natural quando possibilitou que algumas verdades nele contidas pudessem ser questionadas, pois encontravam explicações na própria razão humana, e não na vontade divina. Enquanto essa discussão tomava gosto mais no campo da filosofia, Jeremy Bentham, através do que ele próprio chamou de utilitarismo, e que tinha como conteúdo fundamental a ideia de que a humanidade era dominada pela influência da dor e do prazer, introduziu na ciência jurídica o dogma de que a lei emanada de um poder estatal, que mais tarde se chamaria Estado do Bem-Estar, se constituía em ótima condutora de felicidade e que, portanto, tal instrumento era o melhor processo para possibilitar o máximo de satisfação. John Austin, discípulo de Bentham, com o que chamou de ciência do Direito positivo, aprofundou a ideia, cabendo, todavia, a Auguste Comte a criação do que passou a ser conhecido por positivismo, de cujos princípios o Rio Grande do Sul sofreu fortes influências no início do século. A lei como sinônimo absoluto de todo o conceito de Direito se extremava.

Com esse rápido pano se pode concluir que o Direito como ciência do dever ser foi uma reação apocalíptica do Direito natural clássico, no qual havia uma interação muito forte entre os fatos efetivamente humanos e aqueles atribuídos às deidades, só que isso posteriormente se extremou de tal forma que a vida, por exemplo, somente passou a ser considerada como direito por declaração expressa da lei.

Hoje, no entanto, é impossível se cultuar qualquer uma das teses no momento de seu apogeu. O Direito visto absolutamente pela ótica da lei apenas ressurge em períodos excepcionais e ao longo da história, efêmeros, porque tem-se como verdade que, se a lei pode produzir a felicidade geral, ela também pode produzir com maior intensidade a felicidade de quem detém o poder de fazê-la. De outro lado, pela própria maturidade do pensamento humano e pela constatação de que a divindade é crença espiritual, restou à ciência do Direito regrar as relações do homem e seu contexto social.

 


wellington pacheco barros advogado
Wellington Pacheco Barros, OAB/RS Nº 6.103
Professor de pós-graduação e desembargador aposentado do TJ/RS, advogado e autor de obras jurídicas.
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