A Ética da Lei, Uma Utopia?, artigo escrito por Wellington Pacheco Barros, do Wellington Barros Advogados Associados

A Ética da Lei, Uma Utopia?

  • Por:WBA
Em dezembro de 1993 publiquei artigo em jornal local sob o título A ética da lei, quando assim me manifestei:

“Como um raio que anuncia o trovão, a instalação da CPI do Orçamento já produziu um clarão suficientemente forte para de logo se preveja o barulho que pode resultar de uma possível conclusão de que exista no Congresso Nacional a prática de corrupção, tendo como autores parlamentares e terceiros a eles vinculados.

Por uma outra perspectiva, isto também significaria dizer que ainda no campo político a utilização do processo legislativo como meio de se obter vantagens econômicas indevidas pode produzir um forte abalo na já não tão sólida credibilidade do Poder Legislativo, resultando, assim, um lógico questionamento sobre a segurança para a sociedade do exercício atual da representação popular. Embora a constatação possa não atingir o Poder Legislativo como essência da divisão do poder do Estado, a verdade é que o fato poderá caracterizar a necessidade de primeiramente se revisar a própria estrutura do poder encarregado de revisar o poder político da nação. Dessa forma, não sanada com segurança essa possível dúvida, evidentemente que ela inoculará com o mesmo vício dispositivos que venham a ser modificados na revisão constitucional em andamento.

Mas, em decorrência da própria importância que se dá ao Poder Legislativo na vida nacional, contudo, a preocupação não se restringirá exclusivamente ao campo da vivência política do Congresso Nacional. É que, se verdadeira a prática de crime envolvendo o próprio processo de criação legislativa, tal constatação também produzirá efeitos conseqüentes naquilo que é a via maior do exercício parlamentar – a credibilidade e eficácia da própria lei.

Adotando um sistema de direito que prima pela onipotência legal, em que a lei se caracteriza como remédio milagroso de todos os males do país e que tem atualmente no Poder Legislativo sua principal fonte de criação, existindo a possibilidade de lei viciada nesse nascedouro, não se pode negar que tal vício não perpasse para o seu campo de externação, mesmo que seja tão-somente em nível de indagação, tornando questionável seu conceito de mandamento social. A pergunta, portanto, que se poderia fazer diante da gravidade da situação estaria na seguinte premissa: se uma lei orçamentária que estabelece a estrutura operacional do Estado e que deve anualmente direcionar verbas para a solução efetiva de conflitos sociais, logo, de importância fundamental para a ação administrativa do poder público, foi desviada daquilo que deveria ser sua preocupação, o bem-estar social, para a satisfação indevida de interesse particular ou grupal, o que poderia ocorrer com a criação de outras leis de maiores repercussões?

Diante dos indícios do que poderá acontecer, há que se recordar que a estrutura pragmática de eleição da lei como forma maior de imposição de comportamentos não decorre exclusivamente da legitimidade do poder que a emite ou da legalidade de seu processo criativo. Embora ela pressuponha a existência de tais fatores como condição importante de validade formal, também exige que sob estes aspectos exista um comportamento ético de seus criadores. Assim, o dogma de obediência à lei parte da premissa de sua postura ética, quer no seu processo de criação, que é a fase anterior da lei, quer na imposição de comportamentos, que é a sua frase posterior. Dessa forma, a lei para ser lei, e merecer respeito daqueles a quem ela se dirige, necessita, antes, ser ética. A estrutura ética da lei não se inicia a partir de sua edição, mas tem que existir em todo seu processo de criação.

O Congresso Nacional, portanto, tem a oportunidade histórica de, como criador fundamental do direito brasileiro, purificar o sistema de criação legal para que então se possa respeita, sem qualquer dúvida, a máxima: – lei é lei.”

Treze anos e várias CPIs depois, a irresignação manifestada no artigo continua atual. Diante disso é de se perguntar, sem grandes esperanças de mudanças: a ética da lei no Brasil é uma utopia?

*Artigo publicado originalmente em 06/10/2006


wellington pacheco barros advogado
Wellington Pacheco Barros, OAB/RS Nº 6.103
Professor de pós-graduação e desembargador aposentado do TJ/RS, advogado e autor de obras jurídicas.

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